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quarta-feira, 10 de maio de 2017

OUTROS PÉS DE LARANJA LIMA

*Rangel Alves da Costa

Na vida, da janela e da porta adiante, nos afazeres do dia a dia, no quintal da memória e no silêncio dos desejos escondidos, tudo está cheio de pés de laranja lima imponentes perante o olhar, mas também já em escombros pela dizimação dos sonhos. E bem ao modo daquele pé de laranja lima tão amado pelo menino Zezé no romance primoroso de José Mauro de Vasconcelos, exatamente O Meu Pé de Laranja Lima.
Tão grandiosa e simbólica é a história do menino Zezé e seu pé de laranja lima, servindo como verdadeira metáfora ao amor e à perda, à esperança e à desilusão, ao apego e ao distanciamento, que muitos avistam na obra nada mais que a síntese da vida humana e seus sentimentos aflitivos. Com efeito, o menino Zezé simboliza toda a esperança da vida enquanto sua amiga árvore representa o pêndulo entre a conquista e a perda. Gosto tanto dessa história contada pelo autor que muito já escrevi sobre ela. Num texto, assim relatei:
“Quem já leu “O Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro Vasconcelos, certamente jamais se esquecerá da seguinte passagem, já no finalzinho do livro, quando o pai do menino tenta esconder a verdade sobre o que foi feito com sua árvore: - Depois tem mais. Tão cedo não vão cortar o seu pé de Laranja Lima. Quando o cortarem você estará longe e nem sentirá. Agarrei-me soluçando aos seus joelhos. - Não adianta, Papai. Não adianta... E olhando o seu rosto que também se encontrava cheio de lágrimas murmurei como um morto: - Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima”.
É o instante em que o menino Zezé relata sua tristeza com o que fizeram com o amigo de toda vida, que outro não é senão o seu pé de laranja lima. Tinha aquela árvore como fiel companheira, verdadeira amiga e confidente nas horas alegres e tristes, um tronco com folhas e frutos alimentando suas esperanças adolescentes. Não encontrava refúgio melhor que no quintal de sua casa e ao lado daquele sombreado bom, conversando, segredando seus mistérios juvenis. E o pé de laranja lima com ele dialogava como somente os grandes amigos conseguem”.


Tal pé de laranja lima representa, assim, o apego, o afeto, a afeição, ao que cultivamos dentro de nós com amor e carinho. É como se houvesse necessidade de aquela árvore frondosa estivesse sempre cultivada, presente em nossas vidas. Verdadeiros laranjais que guardamos nas memórias e nas relembranças. Frutos que nos afagam como se ainda estivéssemos diante de pessoas que tanto amamos e já partiram. Doces pomares familiares, quintais que avolumam as saudades que sempre queremos ter. Um alimento que nos permite estar sempre diante do que foi cultivado em vida.
Mas outros pés de laranjas lima também por todo lugar e cada pedaço de nós. Preservamos, intimamente, muitos e imensos laranjais. Pequenas coisas que mesmo irrelevantes para outros, tornam-se da própria essência existencial. Eis que ninguém vive sem ter desejos, sem sonhar, sem ter esperanças. São como frutos que acostumamos na expectativa de um dia saborear. E chega a doer somente em pensar que nada daquilo colheremos ou mesmo que nossa colheita seja infrutífera demais para qualquer prazer, para qualquer realização.
Nos casebres rústicos, empobrecidos, quase caindo, estão imponentes laranjais. Nenhum pai de família deseja perder aquelas paredes de barro que dão guarida aos seus. Uma coisa tão ínfima perante aquele da mansão dou do castelo, mas a própria vida perante aquele que só tem o chão entre o cipó e o barro para sobreviver. Igualmente ocorre com a vaquinha magra e ossuda do sertanejo em época de seca grande. Há pé de laranja lima igual ao bem que se tem? O apego é tamanho ao único animal que talvez possua que passa a sofrer a mesma dor do bicho sedento e faminto. Gasta o que não tem, esforça-se como um titã, mas jamais quer que seu bicho de cria arrie para não mais levantar.
Muitos meninos não aceitam de jeito que seus pais se desfaçam de suas bolas furadas, de seus carrinhos de madeira, de seus bois de barro. Muitas meninas não trocam sua boneca de pano antiga por nenhuma Barbie ou Susie. Menino há que prefere o seu magricela cavalo de pau a qualquer bicicleta. Certa feita um menino sertanejo se negou a ir morar na cidade por que não queria perder a lua de toda noite. Por que assim acontece? Todas as respostas estão no coração daqueles cujo apego é sempre bem mais valioso do que qualquer outra coisa que surja.
Muitos são os nossos pés de laranja lima e todos a nos acompanhar desde a infância. As calças encurtam, rasgam, desbotam, mas só nos sentimos bem vestidos nelas. Travesseiros e cobertas são como braços a nos esperar ao afetuoso abraço. Por isso não nos sentimos bem dormindo em outra cama. Velhos e distantes amigos nos atiçam na saudade. Tudo o que temos ao redor não nos conforta, não nos compraz igual ao que está preservado no coração. São estes pés de laranja lima que verdadeiramente nos faz sorrir e cantar, chorar e sofrer.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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