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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

OS “MICOS” DO CANGAÇO

Por Junior Almeida
Manoel Severo e Júnior Almeida

A palavra “macaco” era usada pejorativamente pelos cangaceiros para se referir aos seus inimigos os policiais volantes. O termo é bem antigo, pois, Doutor Oliveira Xavier nos diz em seu livro, “Beatos e Cangaceiros,” de 1920, que na luta armada que ficou conhecida na história como a “Sedição do Juazeiro”, seis anos antes, os cabras que guerreavam já usavam tal expressão. A língua formal diz que “mico” é um macaco de pequeno porte e cauda longa, soinho ou sagui. Esse pequeno animal nada tem haver com os militares, porém, na gíria, mico é uma situação vexatória, que causa vergonha, constrangimento. Alguns que usam tal expressão vão além quando a situação é de constrangimento extremo, ao invés de falarem que pagaram um mico, dizem que pagaram um “King Kong”, numa alusão ao macaco gigante do cinema.

O cangaço, assim como toda história, também teve seus micos. Situações tão absurdas que nem toda criatividade hollywoodiana seriam capaz de criar os enormes “macacos” acontecidos nos sertões nordestinos. Podemos até achar graça em alguns micos da saga cangaceira, mas, é impossível sorrir diante das situações vexatórias e surreais que levaram milhares de pessoas ao sofrimento e muitas vezes à morte.

O que dizer da “brilhante” ideia dada por um leitor de um jornal, de usar um avião para exterminar Lampião e seu bando? Esse mico até que dá pra dar boas risadas, assim como se pode mangar muito do doido de pedra, o tenente Casaca de Couro, que prometeu capturar o Rei do Cangaço e o entregar amarrado às autoridades. O tagarela recifense, Augusto Gouveia, achava que tudo que via nos jornais sobre as ações de Lampião era exagero, balela, era corpo mole dos sertanejos. Parece que como hoje, desde os tempos do cangaço, algumas pessoas por morarem em grandes cidades, acham que os “matutos” do interior, não sabem de nada.


Pois bem, o senhor Augusto Gouveia pediu ao chefe de polícia de Pernambuco, Eurico de Souza Leão, apoio para a sua empreitada, que era trazer Lampião no laço, assim como um boi brabo. Doutor Eurico, mediante a insistência do sujeito lhe nomeou tenente e o enviou para o Sertão, sob comando do major Teophanes Ferraz. Por só viver usando paletó, os sertanejos logo o apelidaram de “Casaca de Couro” ou “Casaca Preta.” O militar comissionado que tanto se pabulava não passou nem no primeiro teste de fogo. Ao encontrar-se com Lampião em Calumbi Pernambuco, deu uma carreira tão grande com medo de Virgulino e seus cabras, que ainda hoje deve estar correndo em meio à caatinga sertaneja.

Outras patacoadas que nos conta a história foram os sangrentos fogos da Serra Grande, município de Serra Talhada, Pernambuco, em novembro de 1926 e da Fazenda Maranduba em Poço Redondo, Sergipe, em janeiro de 1932. Nesses combates atitudes precipitadas e imprudentes de comandantes de tropas contribuíram em muito para manchar de vermelho o solo nordestino. Na peleja perto de Vila Bela os volantes caíram numa emboscada bisonha. Ao invés de se precaverem e darem a volta na serra para tentar pegar os cangaceiros de surpresa, decidiram utilizar o caminho preparado pra eles por Lampião. Pareciam bois indo pra sangra.

Segundo Frederico Bezerra Maciel, nesse fogo morreram 26 volantes e 38 ficaram feridos, dentre eles os célebres Arlindo Rocha e Mané Neto. A tragédia só não foi maior por que Antônio Ferreira, irmão de Virgulino, durante o intenso combate foi aboiar acompanhando o cangaceiro Genésio, que “tangia o gado” pra morte, quando foi atingido por uma saraivada de tiros de metralhadora. Nesse momento alguns volantes se salvaram. Uns por serem socorridos por colegas e outros saindo em disparada em meio à caatinga, deixando para trás equipamentos, armas e munições. Existe a versão que a morte de Antônio Ferreira na Fazenda Poço do Ferro, do coronel Anjo da Gia, foi em decorrência desse ferimento, sendo a versão de um “sucesso” que envolveu Luiz Pedro, mentirosa.

No fogo da Maranduba pode-se dizer que no mínimo os comandantes das volantes foram irresponsáveis, por levar muitos dos seus comandados à morte, por falta de estratégia e principalmente por falta de humildade. O número da força era muito superior ao de cangaceiros, eram três militares para cada sicário e mesmo assim a volante se mal. Alcindo Costa conta em seu livro, “Mentiras e Mistérios de Angicos,” que existia uma disputa da volante de Nazaré, comandada por Mané Neto, com a da Bahia, que tinha o tenente Liberato de Carvalho como comandante.

Cada militar que quisesse ser mais valente do que o outro, disputa essa que chegou até os comandantes das tropas. Antes de partirem para Maranduba, nenhum comandante deu descanso aos seus homens, mesmo tendo eles vindo de exaustiva jornada. O escritor de Poço Redondo diz ainda que os comandantes desprezaram todas as normas militares, por orgulho, prepotência e empáfia, e sentencia que “o despeito e a vaidade dos dois comandantes, foram a causa da perdição da numerosa tropa.”

O tiroteio durou do meio dia ao por do sol. Lampião durante todo o combate nunca se viu apertado, mesmo tendo perdido três cabras, teve sempre a situação na mão. Destroçou boa parte da volante, que ficou no meio do fogo cruzado, inclusive em meio de um “fogo amigo”. A de se pensar: estando as volantes descansadas e não tendo seus comandantes orgulhos comportamentos, teria tido o fogo da Maranduba o mesmo desfecho?

Os casos absurdos descritos neste texto são apenas alguns que vieram à mente, mas, o que considero a maior besteira da história do cangaço, o mico dos micos, o chipanzé, o orangotango ou mesmo King Kong de toda a saga, foi sem dúvida a “brilhante” ideia de tirar os sertanejos de suas casas para acabar com o cangaço. Só rindo para não chorar. Será mesmo que passou na cabeça de alguém que a ideia do interventor baiano Juracy Magalhães e o capitão João Miguel, nome esse que virou sinônimo de coisa ruim, de fome, de seca, daria certo? Pela ideia do volante sim, pois ele achava que todo sertanejo era um potencial coiteiro, e sem coiteiros o cangaço não sobreviveria. Santa inocência.

Milhares de sertanejos foram expulsos de casa debaixo de ameaças. Deixaram tudo pra trás, entregue a própria sorte. As estradas do Sertão se encheram de miseráveis maltrapilhos, cidades sem a menor infra estrutura receberam esse povo faminto, sem trabalho, sem dinheiro, jogado à própria sorte. Como não poderia deixar de ser, a grande besteira dos mandatários da Bahia não deu certo, servindo de mangação dos cabras.

Quem não achou graça nenhuma foi o povo simples, sempre lascado no meio de cangaceiros e a força volante. Quatro meses passados, e os sobreviventes dessa triste decisão, voltaram às suas casas, muitas delas saqueadas, invadidas pelo mato e animais selvagens. As poucas criações tinham morrido com a seca ou tinham fugido. Outras foram roubadas por cangaceiros ou volantes, com a facilidade de os donos não estarem em casa.

Quem pagou o prejuízo desse povo? Ninguém é claro. E os que morreram de fome, quantos foram? Quantos perderam a terra por dela terem se ausentado? Isso tudo por conta de irresponsáveis almofadinhas que não conheciam a realidade dos sertanejos e com suas idéias mirabolantes. Esses mesmo sem puxar o gatilho, mataram muitos.

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