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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

ERA OUTONO, E EU VI “CHUVA DE BALAS NO PAÍS DE MOSSORÓ”. UMA HISTÓRIA DE CANGAÇO!


Em tempos de festejos juninos e a passos de antílope acossado, acorri até a urbe mossoroense, com vocação de pagar antiga dívida, assistindo o cênico de bravura e resistência à cavalaria do huno do Pajeú, Virgulino Lampião.

Neste treze de junho, perfazem oitenta e cinco anos, do raio invasor e de desespero dos povos do solo oestano potiguar, e da agonia cruenta do Lobo do Cinzento, ante o malogro da sua epopeia e o vexame da retirada por trechos da caatinga nunca dantes por si percorridos, tendo no seu encalço a volante mais truculenta e selvagem das terras paraibanas, comandadas por um dos seus maiores inimigos, Clementino Quelé.*

Na hora vesperal a exibição, um solfejo de xote jineteado com incursão no cancioneiro popular, cuja intérprete da terra, prestara homenagem ao grande Luiz Gonzaga, pelo transcurso do centenário do seu nascimento. Um permeio no repertório do velho Lua, com asa branca, xote das meninas, lá no meu pé-de-serra, vem morena e respeita Januário. Conjunto regional onde o zabumbeiro estimulava a harmonia com sanfona de cento e vinte baixos e violão. Enfim, uma preparação em leveza de gazela, para assistir o grandioso cênico sobre a saga lampiônica.

Neste ano, a peça ganhara “ar” de recital a la Broadway, com coreografia em cores berrantes, cantos diversificados, e a presença de sempre das viúvas carpideiras dos mortos na refrega nas ruas de Mossoró, cantando incelências, como nos velhos tempos de fanatismo beato no Juazeiro do Padre Cícero Romão.

No espetáculo quatro personagens roubam a cena: Lampião cujo cênico demonstra ser carolho, mas, comandando a malta de facínoras, o Cel. Rodolfo Fernandes, na sua imponência de Alcaide-mor da urbe atacada, Sabino Gomes, comandando a prisão do Cel. Antônio Gurgel, José Santana Leite, o Jararaca, sabendo este o que deveria lhe acontecer, esperneia desarvorado e abatido, pois, estava ferido e preso há dois dias, portanto prestes a ser executado.

Mas, o que leva um ato tosco, violento, distante no tempo, ano de l927, patrocinado por um facínora de costume selvagem, ser transformado, num cênico de atrativo popular, turístico, e de albergar uma lembrança mítica, quando transforma o túmulo de Jararaca, lugar tenente de Lampião, no local mais visitado no cemitério em Mossoró?

Essa é a primeira e enigmática questão. A outra, que circunstâncias impulsionam a vida de um facínora caboclo, sofrer uma derrota longe do seu pasto, pois, seu convívio era no Pajeú, Moxotó, Caatinga do Navio, nos Carirís Novos e nas terras fronteiriças da Paraíba e Pernambuco, naquele tempo quando da vinda a Mossoró, e não se abalar ou perder o prestígio?

De ressaltar, que na verdade a decisão de vir a Mossoró, não foi iniciativa de Virgulino Ferreira. Lampião desde a morte aos 25 de dezembro de 1926, de seu irmão mais velho, Antônio Ferreira da Silva, vulgo esperança, tornara-se um homem triste, deixando os próprios cabelos crescerem de forma desmedida. Antônio Ferreira antes de morrer, participara aos 26 de novembro do citado ano, da maior batalha do cangaço de todos os tempos, Serra Grande, onde o Lobo do Cinzento derrotou forças volantes de quatro Estados do Nordeste, algo em torno de trezentos homens.

Ganhara posição e atrevimento de propor ao Governo Pernambucano dividir o Estado em dois territórios: Da pancada do mar até Rio Branco, (hoje arco Verde), mandava o mandatário eleito pelo povo. De Rio Branco ao sertão mandava Lampião. Então, no convencimento interpretativo de Lampião, embora para os mossoroenses tenha sido a batalha da vida, para Lampião fora apenas uma retirada como muitas outras que fizera em sua vida, quando percebia está em desvantagem.

No entanto, tenha sido sem dúvida, a mais cruenta retirada de todas na vida de Lampião, em razão do desconhecimento do terreno, não contar com sua rede de coiteiros, nunca imaginara atravessar o Ceará tiroteando com forças diversas, inclusive do próprio Ceará, que sempre utilizou como refrigério e descanso, principalmente nas serras do Diamante e Catolé, esta pertencente parte ao Padre Cícero Romão.

Dizem os estudiosos, que a áurea e bravura de que se reveste esse episódio, esta na forma e estética de que se reveste o cangaço, onde o escudo ético, figura com leveza no imaginário popular, quando encontramos muitas pessoas que têm esse fenômeno delinqüente, como uma versão de Robin Hood nas terras do Velho Mundo. Lá, havia a subtração de haveres dos mais abastados para redistribuí-los com os miseráveis.

Nesse formato sobressaem-se o nosso Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico da Serra do Cajueiro, em Patu, cuja gesta cangaceira deu-se nos idos de l877-79, e o grande Senhor Pereira, da Vila de São Francisco, no Pajeú, cujo lustro ocorreu de l918 a 1922, quando entregou seu grupo a Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, que era seu lugar tenente mais versátil, cuja sobrevida vai ao ano de l938, pois morto na gruta de angicos aos 40 anos de idade, contabilizando vinte de cangaço.

É fato, que Chuva de Balas no País de Mossoró, tem a bravura incontida de uma saga de povos, que ante a decisão de aliar-se a delinquência para sobreviver, preservaram os valores da decência, dos saberes da legalidade, do reproche ao malfeitor, mesmo sabendo dos riscos e perigos que poderiam advir em caso de insucesso. Arriba! Mossoró. O cênico tem cangaço, mas, sob controle.

*Clementino Quelé: Cangaceiro do início da década de vinte, teve um entrevero dentro do bando lampiônico, respingando seu chefe com ofensas, sendo em razão destas, excluído por ordem de Lampião. Após este fato, teve passagem como cachimbo a serviço do governo pernambucano, que ante suas atrocidades cometidas contra pequenos sitiantes do Pajeú, fora dispensado dos serviços. Logo em seguida, sendo integrado a polícia paraibana, com as fitas de sargento, por recomendação do Coronel José Pereira de Princesa. Cometeu as maiores atrocidades contra parentes de Lampião, inclusive matando um dos primos mais querido, José Paulo, vaqueiro da Fazenda Roças, bem como seus irmãos. Pagando um tributo caro, pois, Lampião deu cabo a três irmãos seus. Quelé terminou sua vida em alagoa Grande, no Brejo paraibano, lugar que sabia não ter mais qualquer encontro com o inimigo Virgulino Ferreira, pois, a partir de l928, embrenhou-se no sertão da Bahia.


Jair Eloi de Souza é historiador da cidade de Jardim de Piranhas

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