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domingo, 22 de janeiro de 2017

ENTRE UM CAFEZINHO E OUTRO

*Rangel Alves da Costa

E agora me vem à memória aquele entardecer sertanejo e o aroma de café torrado subindo pelo ar. Era a delícia de Dona Lídia, na Praça da Matriz, que a todos encantava quando sua chaleira começava a ferver.

Tantas e tantas vezes que fui lá implorar um tiquinho para saciar minha sede do negro sabor. Implorar por que logo a casa estava cheia com gente esperando o seu tiquinho. Mas dava para todo mundo, mesmo que nova remessa tivesse que ser providenciada.

E agora, de xícara à mão e um café qualquer, relembro Dona Lídia e tantos outros conterrâneos que já partiram em adeuses de lenços molhados. E entre um cafezinho e outro vou a tudo revivendo com uma saudade de filho ausente.

Sem dúvida que é entre um cafezinho e outro que as recordações se avivam no pensamento. O café desperta e a memória vai chamando o passado distante, o ontem e até o instante atrás. Reflexões surgidas entre goles e recordações.

A verdade é que muito se faz entre um cafezinho e outro. Alguns fumam cigarro, charuto ou cachimbo. Alguns esfarelam na boca a bolacha que foi mastigada como companhia. Outros bebem um pouco de água. Tanto faz.

Tanto faz por que o cafezinho passa a ter existência própria depois de sorvido. Anima, revigora, fortalece, e chama outro cafezinho quando já sente esvaindo sua permanência. E entre um cafezinho e outro o dia se alimenta do oloroso sabor.

Também vivo entre um cafezinho e outro. Ou cafezão e mais outro e outro, pois sempre forte e sem açúcar. Sou ávido por café, eis a verdade. Tanto assim que minha madrugada somente passa a ser vivida depois da primeira xícara.

Mas prefiro chamar de cafezinho. Bebo sempre em xícara pequena, então soa melhor chamá-lo de cafezinho. E de repente me vejo esquentando a água para depois derramar sobre a xícara já com as duas pequenas colheradas de café solúvel.


Não gosto de café assim, mas não há outro jeito. Creio ser muito pior o café em pacote, que sempre desce muito fraco e sem qualquer gosto. Nas ruas ainda encontro café forte nas máquinas de lanchonetes e padarias mais antigas. Mas são raridades.

No centro de Aracaju, por exemplo, onde no passado da José do Prado Franco a escolha era difícil ante tanta marca boa de café pelos balcões, agora somente duas ou três opções. Ainda vale a pena um cafezinho numa lanchonete do calçadão, mas principalmente na antiga e pitoresca Luzitânia.

O bom café é sentido ao longe. Tão reconhecível é o cheiro do bom café que nem precisa observá-lo descendo na xícara para certificar sua qualidade. Verdade que quanto mais negro, mais encorpado e oloroso melhor, mas o aroma já garante sua qualidade e sabor.

De vez em quando, quando estou de xícara à mão, relembro os antigos e verdadeiros cafés de bule, de chaleira, de aromas e gostosuras. Café batido em pilão, peneirado no meio do café e preparado em fogão de lenha. Coisa das antigas vovós. E quanta saudade.

Muita gente sertaneja do passado se negava a colocar na boca café de mercearia, já vendido em pacote. Dali apenas o café em grão, ensacado, para depois ser batido em pilão e preparado ao modo do quintal. Por isso tanta gostosura naquelas manhãs e noites sertanejas.

Como não posso voltar no tempo e é muito difícil encontrar o café ainda batido em pilão, então procuro me contentar com aquele que possa dispor. Somente a memória aromatiza a xícara com as lembranças passadas.

Mas seja de que jeito for, é entre um cafezinho e outro que muito acontece na vida. Principalmente na pessoa que segura a xícara e junto dela vai procurar um local ideal para beber aos pouquinhos. É como um ritual de experimentação e encontro. De afeto e abraço.

No meu caso, entre um cafezinho e outro me torno poeta, escritor, filósofo, sábio, profeta, viajante no tempo. É que ao chegar aos lábios e ao escorrer pela boca, o café acaba me transportando para situações jamais imaginadas em outras circunstâncias.

Caminhando para perto da janela, ao longe avisto ainda o meu sertão. Ruazinhas de areia e pedra, casinhas miúdas e cadeiras pelas calçadas, vizinhas conversando de vassoura à mão, um velho sertanejo que pinica seu cigarro de palha num tronco mais adiante.

A festança dos meninos debaixo da chuva, todos nus e felizes demais no viver. As correrias por cimas dos lamaçais e as fugas em direção ao riachinho. Fugir dos olhos dos pais para tomar banho nas águas do riachinho era desafio e experiência única na infância sertaneja.

Seguir ainda em direção à casa de Dona Lídia. Como quem não queria nada, arranjando uma desculpa de encontrar Zé Veinho. Mas nada disso. A intenção mesmo era pedir um golinho daquele café que ainda hoje não me sai da memória. E que até me faz lacrimejar.

Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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