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sábado, 12 de novembro de 2016

CANGAÇO NO PIAUÍ


 Mais um livro do escritor e fundador da SBEC -  (Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço) Paulo Gastão.


Entre em contato com o autor através deste e-mail: 
paulomgastao@hotmail.com

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UMA RIQUEZA SE DESENHA NO SERTÃO

Por Clerisvaldo B. Chagas, 12 de novembro de 2016 - Escritor Símbolo do Sertão Alagoano - Crônica 1.588

Finalmente após 40 anos de sonho, chega uma realidade que até parece o mesmo sonho do passado. A maior obra de todos os séculos vai pintando o Sertão em marcha de primeiro mundo. Quem conhece a fartura verde do São Francisco em Petrolina, sabe muito bem da terra bíblica onde corre leite e mel. Pude pessoalmente constatar que naquela Canaã de irrigação, três coisas dominam as conversas de rua: tonelada, dólar e carro importado. 

Foto: Canal do Sertão (sertão24horas).

Voltando a Alagoas seca sem irrigação, qualquer indivíduo jamais apostaria em mudança devido à sabedoria, ao egoísmo, ao quero-quero-só-meu-bolso, a indiferença dos políticos sertanejos e tantas outras mazelas que não deixavam espaço para o progresso.

Desbastando todos os garranchos que lhes mexiam na paciência, Deus em pessoa resolveu apertar os miolos dos designados e de puxão em puxão de orelha, o impossível já aconteceu. O Canal do Sertão está perto de deixar o semiárido e entrar pelas terras do Agreste. 

A faixa hídrica começa a despertar até grupos internacionais que confabulam querer investir em Ovinocaprinocultura, cereais e região vinícola. Como as coisas estão sendo encaminhadas é possível uma enorme área paradisíaca de riqueza no Sertão alagoano. O futuro organizado só o tempo dirá. Teme-se uma invasão dos tubarões nas compras de terras aos pequenos agricultores que depois seriam apenas mão de obra, dos grandes.

Não seremos pessimistas. Pelo acompanhamento dos noticiários, desde o começo tudo está sendo feito criteriosamente fazendo com que acreditemos na seriedade de todas as áreas envolvidas. Tudo indica que poderemos chegar ao estágio do vizinho estado pernambucano com a palestra diária sobre toneladas (produção) dólares (exportação) e carros importados (bem estar). 

Encerramos com o ditado do próprio sertanejo: “Quando Deus quer...” Bota coronel para trabalhar de trás para frente.


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UM HOMEM NA PRAÇA

*Rangel Alves da Costa

De viagem rumo ao meu sertão sergipano, eis que passo numa praça interiorana e avisto um homem sentado num banco de praça. Uma cena comum, corriqueira demais quando se trata de banco de praça. Contudo, o jeito como o homem estava sentado me chamou bastante atenção.

Sou curioso demais. Tudo me provoca além do olhar. Não apenas vejo como sempre desejo decifrar muito além do avistado. Ante o meu olhar, uma árvore é além de uma árvore, uma pedra é mais que uma pedra, uma moradia de beira de estrada sempre será muito mais que uma moradia de beiral estradeiro. É que vou além da forma para o conteúdo.

Então, vamos ao que avistei no homem sentado num banco de praça. Apenas um homem, apenas uma praça interiorana, apenas um banco. E o homem ali. Estava sozinho, com olhar indefinido, um tanto cabisbaixo, absorto no seu instante. Um homem ao modo daqueles que se sentam e começam a refletir sobre a vida, sobre o mundo, sobre algum problema. Um homem filosófico aquele.

Que se imagine, leitor, ao entardecer e solitariamente sentado num banco de praça, com visão muito mais interior do que exterior. Nesta situação, nesta paisagem e moldura, ao que se entregaria em pensamento, caro leitor? Creio que a realidade ao redor pouca valia terá perante o real interior. Creio que apenas o pensamento dialogando, a mente rebuscando motivos para a valia do seu verbo humano. Ali o homem tão dentro de si mesmo, como se espírito e alma fossem presença e sombra.

Um homem envolto em si mesmo, se imaginando, se buscando e talvez se encontrando. Pouco importa a ventania da tarde, tanto faz que pessoas passem adiante, tanto faz que a nuvem recubra o céu e pareça que vai chover. Ele não está ali para viver o mundo, mas para viver a si mesmo. Ele não está ali por que acostumado a sentar naquele lugar e naquele horário. Ele está ali por que chamou a si mesmo para estar ali. E ali num mundo aberto, mas em redoma intransponível.


Então, logo após rapidamente passar diante desse homem sentado num banco de praça, eu mesmo fiquei tentando decifrar o porquê de ter encontrado aquele homem assim e também os motivos de tê-lo achado tão diferente de outras pessoas que se sentam, sozinhas ou não, nos bancos de praças. E bastou esse despertar para ter a certeza de ter realmente avistado algo diferente. E num instante fiquei rodeado de indagações.

O que predispõe aquele homem no seu solitário instante de reflexão? O que chega como em voo à sua mente e pousa como sua verdade? Algum problema, alguma dívida não paga, alguma preocupação rotineira, alguma desesperança, o que, o que? Ou simplesmente se reencontrando naquele diálogo tão íntimo e tão essencial ao ser humano? Será que está feliz, será que está contente, será que está sorrindo por dentro? Não sei, não sei. Apenas sei que ali uma visão filosófica indagando a existência. Mas em qual sentido?

Conheci e ainda conheço muita gente, principalmente de mais idade, que costuma sentar na calçada às sombras do dia para matutar sobre a vida. E de repente já está conversando sozinho, num dialogando muitas vezes indecifrável. Mas quando perguntei a um velho amigo por que costumava conversar sozinho, então ele me respondeu: Ninguém conversa sozinho. Mas o pensamento ganha voz e diz o que quer. Mas nada diz senão o que o espírito quer falar.

Mas aquele homem sentado na praça não conversava sozinho. Porém, percebia-se uma voz retumbante. Mesmo em silêncio, em quietude, recolhido em si, ainda assim todo o seu ser falava. E possuía aquela voz presente na escultura O Pensador, de Auguste Rodin, que na sua posição meditativa nos permite imaginar um diálogo infinito. O que estará pensando o pensador? Uma reflexão tão profunda em si mesmo que se torna impossível decifrar com palavras, pois somente também em supostas reflexões.

Assim aquele homem sentado num banco de praça. Segui adiante e ele ali ficou. Quando levantou e partiu certamente já era outro, bem diferente. Foi embora e deixou atrás a essência de seu ser, pois nos afazeres da vida quanto mais o homem se dispersa mais perde o conseguido em instantes de reflexão. E já não é mais aquele que se busca. E já não é mais aquele que por instantes se reencontrou por inteiro.

Escritor
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ORGULHO DE PERTENCER A ESSA GRANDE FAMÍLIA, ORGULHO DO MEU AVÔ JOÃO DE SOUZA NOGUEIRA.


"Demorei, mas finalmente selecionei estas matérias que estão entre as minhas prediletas. Este é o primeiro de cinco capítulos que transcrevemos do livro "Floresta uma Terra - um Povo" de Leonardo Ferraz Gominho publicado em 1996. São resumos biográficos de alguns dos homens e mulheres notáveis desta cidade e principalmente dos que fizeram história seguindo a carreira militar e é claro lutando juntos na Volante mais famosa e temida pelo Rei do cangaço "OS NAZARENOS".

Coronel Manoel de Souza Ferraz

Dedico este e os próximos posts ao nossos estimados amigos Netinho Nogueira e Kleyton Ferraz (bisneto de Manoel Flor). Lembrando que este é o mês da festa de Nossa Senhora da Saúde padroeira de nossa querida Nazaré do Pico."

João Flor, o pai

No Campo da Ema, terra pertencente à antiga fazenda Algodões - arrendada em 1819 por Manoel de Souza Ferraz (JSF, N 2) -, nasceu, em 1870, João de Souza Nogueira, futuro líder de uma família que teria sua importância na história da região e no combate ao cangaço: os Flor.

João de Souza Nogueira ou João Flor - Campo da Ema, terra pertencente à antiga fazenda Algodões - arrendada em 1819 por Manoel de Souza Ferraz, nasceu em 1870, João de Souza Nogueira, ... - Blog do Inharé

João de Souza Nogueira, ou João Flor, como tornou-se conhecido, era filho de Florência Filismina de Sá (Flor) e de Manoel de Souza Ferraz (JSF, Tn 18). Estimado e respeitado pela gente da terra, casou-se com Angélica Teodora de Souza e, por solicitação dos habitantes da região, assumiu em 1907 o cargo de subdelegado na fazenda Ema. Sempre procurando cooperar na manutenção da ordem, assumiu posteriormente cargos semelhantes. Era um homem ponderado em sua função de conselheiro e apaziguador de conflitos. Afável, levava, à sua maneira, vida social intensa, a despeito da violência que por vezes grassava na região.

Dotado de boa voz, tornou-se seresteiro requisitado, cantando muitas vezes ao lado do irmão Francisco e da negra Rita Grande. Na noite de 23 de junho de 1918, tornou-se padrinho de São João de Virgulino Ferreira da Silva, o futuro Lampião. Mais tarde se empenharia na luta contra o bandido até que, ao retornar de uma peleja, foi acometido de um acidente vascular cerebral que o deixou semi-paralítico. A sua luta iniciada contra o banditismo teria continuidade através dos seus filhos Euclides de Souza Ferraz (01.03.1897 - 07.01.1968), Odilon de Souza Nogueira, Luís de Souza Nogueira, Américo, Hildebrando, Ildefonso e Manoel de Souza Ferraz. Também eram seus filhos: Valdemar de Souza Ferraz, Ana Angélica (Donana) e Emília Angélica de Souza Ferraz.
Nazaré

Manoel de Souza Ferraz, logo conhecido por Manoel Flor, nasceu a 20 de fevereiro de 1901, no lugar denominado Catarina, encravado na fazenda Ema, município de Floresta. A casa onde nasceu ficava perto da divisa dos municípios de Floresta e Serra Talhada (antiga Vila Bela), o que fazia com que os primeiros passos do futuro militar fossem dados nos territórios das duas comunidades. Ali residiu até a idade de 9 anos.
Bastante jovem, acompanhado dos pais e irmãos, não perdia as festas de maio da capela da Santa Medalha Milagrosa, onde se realizavam novenas famosas na região. Do professor Domingos Soriano Lopes Ferraz (JSF, Tn 27), recebeu os primeiros conhecimentos, da mesma forma que o futuro Lampião.

Naquela escola as aulas eram dadas ao ar livre. Os alunos traziam de casa os banquinhos em que se sentavam para assistir às aulas à sombra de frondoso cajueiro, na fazenda Carquejo. “O esforçado mestre não se furtava aos pedidos de pais residentes em outras fazendas das ribeiras adjacentes, os quais receberiam a rara oportunidade de poder proporcionar instrução aos filhos. Gerações tiveram a benéfica influência do professor, que se preocupava em manter os pupilos afastados da onda do cangaço que corroía o Sertão”.


Conta Marilourdes Ferraz, no seu livro “O Canto do Acauã”, que o professor via sua residência ser invadida por rapazes e moças, alunos e companheiros de seus filhos, que permaneciam por várias horas em palestras e reuniões alegres, nos dias de repouso. Foi num desses encontros que um filho do professor, Manoel Soriano, contou o sonho que tivera na noite anterior: - “Vira surgir uma vila naquela área em que residiam”. A ideia empolgou os presentes, entre os quais Manoel Flor e seus irmãos Euclides e Odilon.

O entusiasmo foi geral e o primeiro passo foi a criação de uma feira semanal, marcada para os domingos. “A data inaugural da mesma foi fixada para 12 de setembro de 1917. Os idealizadores da vila a ser formada percorreram as ribeiras do São Domingos e São Gonçalo e a fazenda Campo Alegre, anunciando o acontecimento” e pedindo a cooperação de todos.

Os resultados não se fizeram esperar. Domingos Soriano logo doou trinta braças em quadra de terras de sua fazenda para patrimônio do povoado que surgia, sendo seguido pelo vizinho Antônio “Campo Alegre”, que doou área igual. Aí foram construídas residências pelos fazendeiros das redondezas. “Da sede do município, Floresta, veio preciosa ajuda ao fortalecimento do comércio local, por intermédio dos senhores João Gominho Filho, José Tiburtino e major João Novaes, que instalaram pequenas lojas de tecidos”.

O padre Antônio Zacarias de Paiva, de Serra Talhada, ao celebrar a primeira missa, sugeriu fosse dado o nome de Nazaré ao nascente povoado, pois o considerava abençoado pela paz e pela união de suas famílias. Elevada à vila, anos depois teve, por força de lei, que trocar sua denominação (já existia a cidade de Nazaré da Mata). A velha fazenda do professor Domingos Soriano emprestar-lhe-ia o nome, prevalecendo, entretanto, o feminino: Carqueja. Anos depois passaria, por fim, a se chamar Nazaré do Pico.

O templo da povoação foi construído com a orientação dos padres Luís e José Kehrle, irmãos. Todos trabalhavam: os adultos nas atividades pesadas; os jovens arrecadando fundos com os mais abastados e as crianças transportando tijolos e executando serviços mais brandos. Os comerciantes Luiz Gonzaga Ferraz, de Belmonte, Ubaldo Nogueira de Carvalho, de Triunfo, e o Sr. João Lopes Ferraz, da fazenda Ilha Grande e irmão de Domingos Soriano, ofereceram quantias consideráveis.

O padre Kehrle comprou uma imagem de Nossa Senhora da Saúde, padroeira de Nazaré. Uma figura simples, mas destemida, respeitada e sempre lembrada - Antônio Gomes Jurubeba (v. JSF, Tn 4) - contribuía para a afirmação do povoado.

Uma pedra no caminho: Virgulino Ferreira da Silva

A vida na pequena povoação correu tranquila até quando chegou na região a família de Virgulino Ferreira da Silva. Este, acompanhado dos irmãos Antônio e Levino, começaram a se envolver com pequenos furtos, o que fez com que os três se indispusessem com a gente de Nazaré.

O ano de 1919 constituiu o início de longa temporada de apreensões para o povo de Nazaré. Naquele ano, Cindário Carvalho (Jacinto Alves de Carvalho) sitiava Nazaré a procura de inimigos (Francisco Nogueira e seus genros Praxedes Pereira e Raimundo Torres). Virgulino e Levino juntaram-se aos filhos e parentes de João Flor, prontificando-se a lutar ao lado dos nazarenos que, por pouco, não se envolveram na luta fratricida entre Pereira e Carvalho.

Logo em seguida, Virgulino e Antônio, inimigos de José Saturnino, emboscaram José Nogueira, cunhado de Saturnino, quando o mesmo voltava de uma feira em Nazaré. Ouvindo os tiros, os nazarenos correram em socorro de Nogueira, acompanhados de Levino Ferreira, que desconhecia serem seus irmãos os agressores.

Reconhecidos os irmãos Ferreira, João Flor ordenou a suspensão do fogo e repreendeu:

- “Que é isso, Virgulino? Então você atira em seu padrinho? Não me reconheceu quando cheguei?”

Virgulino respondeu que era aquilo mesmo, adiantando que, naquelas ocasiões, “afilhado briga com padrinho e padrinho com afilhado”.

João Flor intimou os irmãos a não retornarem a Nazaré se não quisessem viver pacificamente. Levino pulou para o lado dos irmãos dizendo que agora eram três para brigar. Estava iniciada a rixa dos Ferreira com os filhos do lugarejo.

Passaram-se alguns dias e os irmãos Ferreira voltaram acintosamente a Nazaré, provocando a todos, e poucos dias depois começaram a formar um bando. Tentaram entrar mais uma vez na povoação, mas foram repelidos a bala, ocasião em que Levino foi baleado, preso e conduzido a Floresta.

Virgulino tinha votado naquele ano em Manoel Rufino de Souza Ferraz e em Ildefonso Ferraz, respectivamente candidatos a prefeito e subprefeito de Floresta. Os Ferreira procuraram então Antônio Boiadeiro, chefe político da família Ferraz, e com ele firmaram um acordo. Levino foi solto e os Ferreira mudaram-se, no segundo semestre de 1919, para Alagoas.

Virgulino não ficou muito tempo naquele Estado. Voltou a incursionar pela região de Nazaré e passou a perseguir parentes de João Flor. Temendo uma tragédia, os primos Manoel Flor e Luís Soriano viajaram no dia 24 de julho de 1923 para Floresta e solicitaram de Antônio Boiadeiro um reforço policial para o povoado. Receberam um conselho:
- “Voltem e nada relatem a qualquer pessoa, porque não temos soldados para enviar! E se os cangaceiros souberem que vieram aqui com esse propósito, a situação vai piorar”.

O militar

O clima reinante agravava-se a cada dia. Os filhos e parentes de João Flor e de Gomes Jurubeba envolviam-se em combates com o grupo de Lampião, perseguindo-o tenazmente. Foi quando João Flor teve a ideia de solicitar o alistamento dos filhos do lugar na polícia do Estado. Pedido aceito, o alistamento foi realizado em Nazaré. Armas e munições foram distribuídas. Manoel Flor entrou na polícia como simples praça a 26.02.1925 e daí por diante não descansou enquanto não viu extinto o cangaço no Sertão.

Logo nos primeiros dias de policial, passou a ser escolhido, dentro da volante, como líder do pelotão de vanguarda e, depois, começou a comandar volantes. Promovido a cabo e a 3º sargento, com essa patente teve a elevada incumbência de conduzir um destacamento da capital pernambucana até Arcoverde, em trem especial, onde assumiria temporariamente o Comando das Forças Volantes. Foi promovido a 2º tenente comissionado, efetivo e assim por diante, e todas as promoções recebidas foram por relevantes serviços prestados.

Na campanha contra Lampião, Manoel Flor participou de inúmeros e perigosos tiroteios e combates, destacando-se os seguintes: Enforcado (dois combates), Baixas, Xiquexique, Caatinga da Pedra Ferrada e Abóboras, no município de Serra Talhada; Nazaré, Caraíba, Serra Umã, em Floresta; Pelo Sinal e outros quatro combates, em Princesa (Paraíba); Cachoeira do Galdino, em Custódia; Fazenda Açude de dona Rosa, em Flores; Poço do Cosmo, em Bom Conselho; Serra do Ermitão, em Garanhuns; Gangorra (1928), Serra da Cana Brava, Olho d`Água do Chico e Raso da Catarina (1932), todos no município baiano de Glória; Pouso Alegre, em Campo Formoso, também na Bahia.

Em 1938, foi designado para comandar um contingente policial que combateria os fanáticos de Pau de Colher, nos sertões de Casa Nova, Bahia (v. Marilourdes Ferraz, ob. cit.). Por sua atuação firme, foi elogiado pelos habitantes dos lugarejos ameaçados de invasão pelos fanáticos do Beato Lourenço, que tinham vindo do sítio Caldeirão, interior do Ceará. “Num raio de aproximadamente trinta quilômetros do reduto, os proprietários, ricos ou pobres, haviam abandonado suas terras, sob pena de, não tendo aderido ao movimento místico, serem considerados anticristãos e ameaçados de morte na fogueira, como efetivamente ocorreu com alguns infelizes”.

Na peleja contra os fanáticos, Manoel Flor via seus companheiros travarem lutas corporais com homens enfurecidos, parecendo, segundo dizia, “verdadeiros cães hidrófobos a fustigar sem quartel os policiais que combatiam desesperadamente e nunca tinham sequer imaginado um combate naquelas proporções”. Terminada a luta em Pau de Colher, “recebeu encômios das autoridades locais e do jornal O Farol, de Petrolina”.

Como tenente, a 8 de agosto de 1939, foi designado Comandante Geral das Forças de Combate ao Banditismo, cuja sede era em Águas Belas. Lampião já estava morto e a missão era “dar combate sem trégua aos remanescentes do grupo” do famoso bandido, bem como “evitar a formação de novos bandos de cangaceiros e garantir o material (armas e munições) do Estado”. Manoel Flor acumulava essa função com o cargo de Delegado do Município.

Em fevereiro de 1940, desaparecia o último grande cangaceiro, Corisco, o “Diabo Louro”, morto pela força comandada por José Rufino (florestano de Barra do Silva). Em julho, Manoel Flor recebeu ordens do Comandante Geral da Polícia de Pernambuco para fazer recolher a Águas Belas todo o material pertencente às volantes e que tinha sido distribuído em parte a fazendeiros do Sertão pernambucano para a defesa dos mesmos. Executou a ordem com sentimento de alívio e, a 19 de agosto de 1940, apresentou-se ao Quartel General para, emocionado, prestar contas de suas atividades. Esclarece-nos Marilourdes Ferraz - filha de Manoel Flor - que já “não havia mais cangaceiros no Estado e se sentia honrado pela incumbência de extinguir definitivamente as FCCB, encerrando uma luta de mais de duas décadas”.

Mas sua carreira militar não terminaria aí. Seria ainda Delegado Regional em Limoeiro e Pesqueira (por duas vezes), onde extinguiu o maior sindicato do crime daqueles tempos, conhecido como “Sindicato da Morte”. Delegado Regional em Garanhuns e Ouricuri. Delegado de Polícia em Águas Belas e Limoeiro (depois de ser aí Delegado Regional), “a pedido dos próprios habitantes do município devido à sua atuação sensata e elogiada”. Foi ainda Delegado de Polícia em Vitória de Santo Antão, Serra Talhada e Flores, “onde procedeu a pacificação política do município convulsionado pelas ferrenhas disputas político-partidárias”.

Comandou o 1º, 2º e 3º Batalhão da Polícia Militar de Pernambuco. Foi um dos sócios fundadores do Clube de Oficiais da Polícia Militar de Pernambuco, no Recife. Comandou o Esquadrão de Cavalaria “Dias Cardoso”.

Em 1969, gravou depoimento no Museu da Imagem e do Som da EMPETUR (Empresa Pernambucana de Turismo) sobre o Ciclo do Cangaço.

O político

Reformado, voltou a sua Terra e dedicou-se à política, “um velho sonho que palpitava em suas veias, num desejo incontido de prestação de serviços públicos, próprio da altivez do seu espírito”. Apoiado pela família Novaes, candidatou-se nas eleições de 3 de outubro de 1955 ao cargo de prefeito de Floresta, perdendo, entretanto, para Audomar Ferraz.

Nas eleições de 3 de outubro de 1958, foi candidato a deputado estadual pela UDN, obtendo em Floresta 261 votos, sendo o terceiro mais votado, atrás do Dr. João Marques de Sá (o candidato da família Ferraz) e de Antônio Cavalcanti Novaes; não conseguiu se eleger.

No ano seguinte (02.08.59) voltaria a concorrer ao cargo de prefeito, desta vez com o apoio de Ferraz. Tendo como adversário Natanael Valgueiro Barros, foi eleito com 2510 votos, contra 2185 do adversário. Nessa eleição, João Firmo Ferraz foi eleito vice-prefeito em sua chapa. Luiz Cavalcanti Novaes disputava esse cargo na chapa encabeçada por Natanael.

A posse ocorreu a 7 de novembro de 1959, estando presentes, entre outros: Dr. Gilberto Augusto Correia Gondim (Juiz Eleitoral), deputado João Marques de Sá, coronel José Jardim, tenente-coronel Jesus Jardim, padre Evaldo Bette, senhores Américo Nogueira de Souza Ferraz (vereador em Itapetinga, na Bahia, e irmão do prefeito eleito), Isaias Ferraz (tabelião aposentado e na época vereador em Altinho), João Alves de Barros, Cornélio de Souza Nogueira (tabelião em Canhotinho), tenente Euclides de Souza Ferraz, tenente da Marinha Domício de Souza Ferraz, Didácio Alves Ferraz (vereador em Serra Talhada), Edmir Ferraz Gominho (vereador em Tacaratu), Dr. José Alventino Lima (Diretor do Hospital Regional de Floresta), Dr. Aldenir Torres de Araújo, subtenente Joaquim Lopes de Barros (Delegado de Polícia em Floresta) e Milton Marcelino (Diretor da Escola Artesanal de Floresta).

À frente do Executivo Municipal, Manoel Flor restaurou e construiu barragens na Ema, Cacimba Nova, Lagoa Cercada, Angico, Riacho da Cachoeira, Pindoba, Logradouro, Umbuzeiro, Melancia, Barra do Silva, Boião, Algodões, Ipueira e Jenipapo, garantindo a reserva d’água nesses lugares.

Em 1961, construiu 547 metros de meio-fio e calçamento com paralelepípedos na rua Dr. Tito Rosas. Fez o meio-fio na rua Pereira Maciel e parte do calçamento de Carqueja. Mandou colocar lajeados à margem da estrada que dava acesso à cidade, melhorando o trânsito na época invernosa.

Trabalhadores foram empregados na extração de pedras no município. No final de sua gestão, grande quantidade de paralelepípedos possibilitaram o calçamento de várias ruas, pelo novo prefeito. Reconstruiu e melhorou as estradas de Carnaubeira a Olho d`Água do Padre, daí ao Mingu, de Queimadas a Jaburu, de Três Voltas a Queimadas, da casa de Silvério a Olho d`Água do Padre. De Carqueja ao Frazão, do Roque a Petrolândia, de Barra do Silva a Carnaubeira. De Airi a Floresta, daí a Carnaubeira. Estimulou e efetuou a arborização no município, com a distribuição de mudas de algaroba. Prestou auxílio aos agricultores, ampliou o quadro de professores e manteve o serviço de atendimento médico gratuito e o fornecimento de medicamentos a pessoas carentes.

Foi escolhido paraninfo pelos formandos da Escola Artesanal de Floresta, turma de 1959. No ano seguinte, foi Presidente da Comissão de Auxílio às Vítimas das Enchentes. Lutou pela instalação da primeira agência bancária de Floresta, comprando e cedendo um prédio ao Banco do Nordeste do Brasil para instalação da sua agência, lutando ainda pelo prosseguimento da rodagem de Serra Talhada a Carqueja.

Construiu jardineiras nas praças de Floresta, cuidando do seu embelezamento. Recuperou e conseguiu a doação, pela Comissão do Vale do São Francisco, do poço artesiano da vila de Carnaubeira, desobstruindo 60 metros de tubulação, além de reformar a casa do motor e a caixa d’água que passou a abastecer imediatamente a vila.

Levou energia elétrica às vilas de Carnaubeira e Carqueja (motores). Mais tarde, no prédio comprado pela prefeitura para instalação do motor que servia a Carqueja, funcionaria a agência dos Correios. Realizou o aterro de um alagadiço na rua Pereira Maciel e aumentou a rede de distribuição de energia da cidade, instalando mais um transformador para melhor atender à comunidade. Somente na gestão de Flávio Nunes Novaes a Empresa de Energia Elétrica de Floresta passaria ao controle da CELPE. Providenciou o levantamento topográfico e a planta da cidade, a qual teve a oportunidade de exibir em Palácio ao então Governador Cid Sampaio.

Seu trabalho à frente da Prefeitura possibilitou-lhe receber diploma de um dos prefeitos mais atuantes no Estado, em solenidade realizada no Teatro Santa Isabel, no Recife. Não se entendendo politicamente com os seus parentes (Ferraz), apoiou e elegeu prefeito o candidato indicado pelos Novaes, por sinal outro elemento da família Ferraz: o capitão Dário Ferraz de Sá (v. capítulo).

A homenagem póstuma

A morte veio alcançar o rijo sertanejo no Recife, onde viveu seus últimos dias, a 19 de fevereiro de 1975. No dia seguinte, data do seu aniversário, era levado à sepultura “por uma verdadeira multidão de amigos, parentes e admiradores”, sendo enterrado na sua querida Nazaré. O Governador Eraldo Gueiros Leite, pelo ato nº 555, de 11 de março daquele ano, conferiu-lhe, post-mortem, a Medalha Pernambucana do Mérito, classe ouro, reconhecendo-lhe os relevantes serviços prestados a Pernambuco.

O deputado Vital Novaes requereu e viu aprovado na Assembleia Legislativa um Voto de Pesar pelo falecimento do valente sertanejo.

Floresta, através de uma carta de dona Nahy Diniz Ferraz e de Maria Júlia Cornélio (Lia), publicada no Diário de Pernambuco de 1º de julho de 1975, agradecia e louvava de público o coronel Manoel de Souza Ferraz: - “...Floresta sente-se no dever de levantar seu último preito de gratidão nesta hora em que hasteia a bandeira de luto em memória de um dos seus filhos mais destacados, construtor incessante e incansável dos alicerces da paz e da concórdia dos dias difíceis da história da nossa comunidade... Suas qualidades de soldado inundaram a aurora de sua adolescência quando o Nordeste padecia os tremendos castigos impostos por Lampião. No meio deste cenário de inquietude, insegurança e incerteza, surgiu o bravo guerreiro ao lado de tantos outros heróis que a morte igualmente levou. Foi o começo de sua vida e de sua história, que mais tarde se tornaria fragmento da própria história do Nordeste. Foi o começo de uma carreira que por seus méritos se tornaria brilhante aos olhos da atual geração. Encontramos esse bravo soldado em todas as horas desse estágio nefasto empunhando sua arma na destruição do poderoso engenho levantado por Lampião, fruto de uma época deformada...”.

O Governador Joaquim Francisco deu ao Batalhão da Polícia Militar de Serra Talhado o nome do grande florestano.

Manoel de Souza Ferraz, o coronel Manoel Flor, era casado com Maria de Lourdes Ferraz, filha de Rita Maria de Carvalho e de Antônio Freire (proprietário da fazenda Carquejo). Dona Maria de Lourdes era neta do cearense Vicente Nogueira de Carvalho, senhor de engenho na Paraíba.
O casal deixou seis filhos:

1º - Valmir de Souza Ferraz - Viúvo da professora Natércia Duarte Ferraz, é Agente Fiscal aposentado da Secretaria da Fazenda de Pernambuco. Deixa quatro filhos.

2º - Maria do Socorro Ferraz Nogueira - Professora, dirigiu o Núcleo de Supervisão Pedagógica de Salgueiro. Era casada com o fazendeiro e comerciante Expedito de Sá Nogueira e deixou oito filhos.

3º - João de Souza Ferraz (Joãozinho Flor) - Pecuarista e funcionário da Secretaria de Agricultura do Estado de Pernambuco, foi vereador em Floresta e é casado com Maria do Carmo Novaes Ferraz (ex-diretora do Grupo Escolar de Nazaré do Pico).

4º - Oneide de Souza Ferraz Martins - Proprietária rural e viúva de Danton Martins, deixa dois filhos.

5º - Carmen Dolores Ferraz Barros - Professora e bacharel em jornalismo e direito, é casada com o médico Nivaldo Barros. Deixa três filhos.

6º - Marilourdes Ferraz - Nascida em Pesqueira, é jornalista, professora, pesquisadora e escritora. Autora do aclamado livro “O Canto do Acauã”, onde estão narradas as memórias do coronel Manoel Flor. É membro da Academia Pernambucana de Artes e Letras e do Comitê Pernambuco/Geórgia. Foi membro do setor de Relações Públicas do CEASA. Entre outras condecorações: Medalha do Mérito Educacional, classe prata, da Comissão de Moral e Civismo do Estado de Pernambuco; Bispo Azeredo Coutinho, da Academia de Artes e Letras. Tem diversos trabalhos publicados nas áreas da educação, cultura, abastecimento e ciclo do cangaço. É casada com Ronaldo Alves e deixa dois filhos.

A 1ª imagem pertence ao acervo do indispensável: Genealogia Pernambucana Postado por Kiko Monteiro às 20:51 SA GRANDE FAMÍLIA!

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NOVO LIVRO NA PRAÇA "O PATRIARCA: CRISPIM PEREIRA DE ARAÚJO, IOIÔ MAROTO".


O livro "O Patriarca: Crispim Pereira de Araújo, Ioiô Maroto" de Venício Feitosa Neves será lançado em no próximo dia 4 de setembro as 20h durante o Encontro da Família Pereira em Serra Talhada.

A obra traz um conteúdo bem fundamentado de Genealogia da família Pereira do Pajeú e parte da família Feitosa dos Inhamuns.

Mas vem também, recheado de informações de Cangaço, Coronelismo, História local dos municípios de Serra Talhada, São José do Belmonte, São Francisco, Bom Nome, entre outros) e a tão badalada rixa entre Pereira e Carvalho, no vale do Pajeú.

O livro tem 710 páginas. 
Você já pode adquirir este lançamento com o Professor Pereira ao preço de R$ 85,00 (com frete incluso) Contato: franpelima@bol.com.br 
fplima1956@gmail.com

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O DIA AZIAGO DA SUPERSTIÇÃO SERTANEJA

 Por José Romero Araújo Cardoso

(Conto laureado com Menção Honrosa no Resultado final do Terceiro Concurso de Crônicas, Contos e Poesias "João Batista Cascudo Rodrigues" - Versão 2016 - Promoção: Academia Mossoroense de Letras – AMOL).

Pedro macambira acordou sobressaltado na alta madrugada sertaneja, despertado com o canto insistente e fora de hora do galo magricela que imperava célere no terreiro de sua tosca e humilde casinha de taipa, construída com material encontrado por ali mesmo, naqueles carrascais perdidos no meio da caatinga desolada e cinzenta devido à ação implacável da seca inclemente que há mais de dois anos castigava o semiárido, a qual, para infelicidade dos povos interioranos, tinha seus efeitos repercutidos em áreas antes relativamente livres das estiagens com as quais acostumara-se a enfrentar nesses cinquenta e dois anos de vida sofrida, quase dez ao lado da família que formara.
          
Aves noturnas contribuíram para fustigar mau presságio em seu imaginário sertanejo, pois bem no alto da tosca chaminé de onde saia a fumaça preta exalada do fogão à lenha, mantido aceso em fogo brando, pousou desafiante rasga-mortalha, a qual passou a emitir sons estridentes que imemorialmente causam arrepios no supersticioso povo do sertão.


Na tarde do domingo, dia primeiro de agosto, assombrara-se com o lamento contínuo de uma acauã que parecia fitar os raios solares, como a invocar lhes a crestar ainda mais as veredas adustas do sertão calcinado pela seca que a cada dia se tornava mais insuportável. 
          
Um engordurado calendário pendurado na parede de barro, recebido como brinde do dono da única farmácia da cidade, quando fora no início do ano comprar remédios para tentar curar as bicheiras dos meninos, estava preso por um prego enferrujado. Pedro havia assinalado em forma de circunferência o dia dois de agosto, primeira segunda-feira do mês considerado no sertão como de desgosto.
          
É um dia encarado como aziago na tradição do sertão, fruto de experiências passadas de geração a geração, com o qual, segundo os antepassados, precisa-se ter cuidado, respeitá-lo quanto ao que diziam os antigos, no que se refere aos seus significados e mistérios. No linguajar matuto, dia aziago tornou-se dias e águas, fomentando enigmas e divagações metafísicas.
          
Água suja e salobra, recolhida a duras penas de uma cacimba quase seca, localizada a dois quilômetros de sua humilde tapera, foi despejada de um balde em uma bacia plástica que conseguiu comprar na feira da cidade. Molhou o rosto e foi acordar Maria de Eulália e os dois meninos – Lucas, de cinco anos e Raimundo, de sete.
          
Precisava estar bem cedo no meio da caatinga para tentar retirar a macambira que serviria para ganhar alguns trocados, vendendo-a para que filhos de pessoas mais afortunadas se divertissem fazendo gaiolas para manter cativos inocentes e desditados cabeças-vermelhas, assuns-pretos, pomba-rolas e outras aves encontradas a duras penas na região.
          
A fome atroz passada em secas passadas fê-lo experimentar farinha de mucunã a fim de mitigar a carência nutricional. Foi uma experiência terrível, pois a química venenosa contida na semente quase o levara a óbito. Ficou a certeza que nunca mais repetiria a dose e nem tampouco ofereceria mucunã para sua família provar. Essa promessa foi feita aos pés da imagem do Senhor São José quando, em leva de retirantes, passavam em uma cidade perdida nas quebradas do sertão.
          
Ninguém conhecia naquelas bandas Pedro Bento de Sousa, seu nome de batismo, mas Pedro macambira, sim, em razão que foi a esse ofício, retirar e comercializar macambira, ao qual se dedicou com afinco desde quando chegara por ali na tentativa de fixar-se com a família na condição de moradores.  
          
Lenha para fazer carvão era algo fora de cogitação. O patrão havia proibido o corte de qualquer árvore. Esse era um privilégio dele. A venda da madeira era feita na cidade, pois, construtores de casas e a única padaria que existia, compravam parte da vegetação retirada da fazenda. Destinava, ainda, fração do material lenhoso para consertos de cercas.
          
Como o tempo mudou, pensou Pedro macambira. Há menos de dez anos o terreiro estava cheio de passarinhos, de todas as espécies. Hoje, encontrarmos um de uma única espécie é um trabalho duríssimo. O homem não vem respeitando a natureza, por isso estamos vivendo nessa solidão, sem o canto dos pássaros para nos alegrar.
          
Passando o café em um coador desgastado, adoçando-o com rapadura preta, Maria de Eulália acompanhou discretamente as reflexões silenciosas do esposo, convicta, não precisava perguntar, que giravam em torno do dia considerado um entre tantos de maior respeito dentro das superstições contidas nas tradições sertanejas.
          
Como fazer para retirar a macambira sem usar algum artefato de metal? Como manter firme os ensinamentos dos meus pais e avós se tenho que garantir alguns trocados para o sustento da minha família durante a semana? Indagava Pedro macambira a si mesmo. A agricultura não prospera por causa da seca. Não temos condições de mandar cavar um poço e termos água para abastecer a casa, irrigar a plantação e saciar nossa sede e a dos animais. Vivemos de favores na terra dos outros, o patrão só vem aqui em casa quando é para mandar fazer alguma coisa para ele, não nos ajuda, vive como um rei, onde não falta nada nas terras que planta e cria gado, domínios extensos que fazem lembrar as histórias medievais que os cantadores de outrora difundiam no sertão carente de informações. Para o pobre só resta lutar para sobreviver e pedir a Deus para mandar melhores dias, por que aqui na terra a ganância fala mais alto e não há solidariedade de forma alguma, a fomentar a união entre as pessoas.
          
Por falar em patrão, o barulho de um possante motor de caminhonete foi notado, vindo na direção da casinha de taipa da sofrida e morigerada família sertaneja. Era o senhor de baraço e cutelo, dono das terras e da vida, vindo ordenar que um serviço fosse feito com urgência até o fim do dia.
          
Uma árvore frondosa do semiárido, uma cajazeira, havia crescido em direção a uma trifásica de alta tensão que trazia energia de Paulo Afonso para iluminar a cidade, pois luz elétrica ainda não tinha beneficiado boa parte da zona rural. Quando os galhos se tangenciavam com os fios causavam descargas descomunais que estavam pondo em risco as vidas dos valiosos animais dos rebanhos do dono das terras do sem fim onde Pedro Macambira e sua família eram moradores.
          
Planta de crescimento rápido, atingindo mais de vinte metros de altura, a cajazeira possui raízes profundas que facilitam a absorção de água pela planta. Tubérculo geralmente existente nas extremidades de suas raízes era utilizado, quando das grandes secas, para o fabrico da farinha. O cosmopolitismo tropical é uma das características de sua ocorrência. Na Amazônia é conhecida por Taperebá, enquanto nos Estados sulinos conhecem-na por Cajámirim.  
          
Maria de Eulália sentiu um frio na espinha quando a voz gutural do homem mau encarado à sua frente ditou as ordens de forma irresoluta, pois, para cortar os galhos ressequidos, tenebrosos e desafiadores da cajazeira, seria necessário fazer uso de algum artefato metálico, como uma foice.
          
Lucas e Raimundo, sem entender direito o que se passava, notaram que uma lágrima rolava da face sofrida da genitora, enquanto Pedro macambira, empalidecido e quase sem voz, retrucava ao patrão que o dias e águas era uma data temida e respeitada pelo seu povo. Seria uma blasfêmia usar qualquer instrumento de metal naquele dia especial de reserva milenar naquela superstição presente na tradição sertaneja.
          
Acostumado a ditar ordens e ser obedecido prontamente, o patrão quase teve um ataque de loucura diante das ponderações do casal à sua frente. Berrou que respeitassem sua barba grisalha e que Pedro fosse cumprir o que havia determinado, sob pena de serem expulsos daquela terra o mais rápido possível.
          
Lembranças de aflições inenarráveis vieram-lhes à mente, pois vagavam feito almas penadas pelas quebradas do sertão, buscando criar a família que Deus lhes deu. A fixação como moradores foi muito difícil. O patrão não queria consentir que gente vinda de longe ocupasse suas terras, mesmo sendo um inexpressivo pedaço de chão.
          
Batendo com força a porta do veículo, o arrogante senhor absoluto, expressão maior da sociedade sertaneja agropastoril arcaica e patriarcal, definiu sua intransigência com relação ao cumprimento da ordem dada ao humilde roceiro. A tradição não interessava, mas tão somente a neutralização da ameaça que punha em perigo os seus rebanhos.
          
Definida a ordem de tarefas, Pedro priorizou a luta para encher a barriga da família. O patrão havia dito que esperava até o fim do dia, então que esperasse. Enfiou o surrado chapéu de couro na cabeça, enrolou a funda, dando uma volta em sua cintura, encheu o cantil com água suja e barrenta e dentro do alforje colocou três pedaços de rapadura preta para minimizar a fome, tomando o rumo de um serrote arisco e cheio de percalços, onde sabia existir macambira em abundância.
          
No caminho notou que os efeitos da seca e da ação do homem estavam se concretizando de forma agônica. Os animais com os quais acostumara-se a caçar em suas caminhadas, principalmente quando para extrair macambira, não eram encontrados com facilidade. Quando conseguia visualizar um tejo ou um mocó, estes eram tão rápidos que ficavam logo distante da sua pontaria.      

Arma de fogo era um privilégio que não possuía. Não tinha dinheiro para comprar pólvora e chumbo, não obstante saber perfeitamente como fabricar artesanalmente uma espingarda bate-bucha.
         
Ao chegar no serrote, notou a abundância de macambira, embora o problema para retirá-la estivesse no respeito à tradição sertaneja que diz, com relação ao dia aziago, não ser recomendável o uso de instrumentos metálicos.
          
A primeira tentativa de retirada da macambira sem uso de instrumento de metal revelou-se sofrível. O espinhos da macambira logo penetraram na áspera pele do sertanejo. A macambira, escolhendo caprichosamente fendas entre pedras para nascer e se desenvolver, mostrou-se desafiadora ao senso comum.
          
Arrancá-las com as mãos nuas tornou-se um dos maiores suplícios já enfrentado pelo heroico filho das caatingas. A busca por melhor qualidade de vida para sua família, no entanto, falava mais alto e a cada tentativa aumentava-lhe a nobreza de espírito a ponto de fazê-lo esquecer as dores lascinantes, resultando em relativo sucesso que garantiu-lhe certa quantidade de talos da bromeliácea. 
          
Sangrando bastante as mãos e os pés, Pedro desceu o serrote com os seus troféus, os quais renderiam uns bons trocados que permitiriam a compra de um pouco de querosene e um tanto de mantimento no barracão mantido pelo patrão na sede da fazenda.
          
Trazia consigo a certeza que a tradição passada de pai para filho não tinha sido quebrada. Não havia utilizado instrumento de metal no dias e águas para retirar a macambira que serviria para mitigar um pouco dos infortúnios de sua existência e a da sua família marcadas pelas secas e pelas humilhações terrenas.
           
Sedento e faminto, colocou um taco de rapadura na boca e passou a mastigá-la bem devagar, tomando alguns goles da água suja e barrenta a fim de facilitar a degustação do doce sertanejo.
          
Passavam das três da tarde quando Pedro chegou em sua moradia. Maria de Eulália, aflita, com Lucas e Raimundo segurando-lhes a barra da saia, recebeu o marido com ar espavorido. O dono da terra, na ausência do esposo, tinha vindo reiterar a ordem referente à urgência na poda da cajazeira.
          
Disse-lhe que o patrão tinha gritado e ameaçado, jurando expulsar a família caso o serviço de corte da árvore não fosse feito até as quatro horas da tarde. Não queria mais perder nenhum boi gir ou zebu ou um caprino boer por causa das descargas da alta tensão quando os galhos da cajazeiras batiam nos fios. O serviço, tinha esbravejado o insensível homem, conforme Maria de Eulália relatava a Pedro, tinha que ser feito por ele.
          
Esmorecido e cansado, Pedro sentou-se num banquinho de aroeira e pôs-se a meditar sobre a situação, sendo despertado pela razão, pois o tempo corria e até as quatro horas tinha que cortar os galhos da sinistra cajazeira, sob pena de perder o abrigo temporário conseguido com muita luta.
          
No velho baú estava guardada uma foice que levava em seus deslocamentos pelas veredas da terra do sol. Fitou-a durante alguns minutos e retirou-se do local onde a guardara, segurando firme o cabo de imburana, entrando em uma espécie de transe emocional, condicionado pelas bases morais de suas tradições e crenças.
          
Despediu-se de Maria de Eulália e dos meninos e foi cumprir sua sina, seu destino sempre marcado por tragédias inenarráveis e sofrimentos atrozes que poderiam ser evitados, caso a responsabilidade humana fluísse harmonicamente. 
          
Deslocou-se até o perigo representado pela cajazeira ameaçadora que tangenciava seus galhos com os fios da alta tensão. Ventava bastante e um leve toque de algumas das partes do vegetal na eletricidade violenta fez com que fagulhas se espalhassem pelo chão, indicando o iminente.
          
Não sentia medo, pois não era homem para tremer nas bases, mas aquilo tudo representava uma afronta ao que seu velho pai sempre lhe dizia, para respeitar a primeira segunda-feira do mês de agosto, o dia aziago, quando trabalhar com instrumentos de metal poderia ser fatal.
          
Pensativo, ficou algum tempo perguntando a si mesmo de onde vinha a tradição de respeitar a primeira segunda-feira do mês de agosto. De quem teria sido a ideia? O pai e o avô tinham manias estranhas, bem como a mãe e a avó. Os antepassados ficavam no terreiro, principalmente em dias de sexta-feira, esperando aparecer a primeira estrela, enquanto as matriarcas não ousavam varrer a casa passando o lixo pela porta da frente. De que povo herdaram isso? Refletia Pedro de forma enigmática. Embora analfabeto, era muito inteligente.
          
Parou de imaginar as coisas e começou a buscar dentro de si mesmo a coragem necessária para concretizar o desafio às suas tradições, invocando toda fé possível e imaginável para que não caísse em emboscadas do destino, como bem apregoavam os antigos. 
          
Subiu na frondosa árvore e começou a cortar os primeiros galhos. Algo de sobrenatural aconteceu em seguida, pois quando tentava cortar partes menos ameaçadoras, a foice fora arremessada longe, como se uma mão invisível estivesse a protegê-lo, adivinhando que uma tragédia estava sendo anunciada.
          
Escorado no tronco da cajazeira, Pedro chorou copiosamente, imaginando que aquilo, na verdade, seria a intervenção do seu pai falecido há décadas, querendo poupá-lo de algo terrível.
          
Despertado para a realidade, a qual envolvia as condições de vida de sua família, Pedro desceu do pé de cajazeira, recolheu a foice misteriosamente arremessada no chão crestado e novamente voltou ao desafio.
          
Nova ventania e os galhos voltaram a tocar a cajazeira com Pedro em cima da árvore. Fagulhas cobriram-lhe por inteiro. Não sentiu medo, mas que era algo tenebroso, isso era, com absoluta certeza.
          
À proporção que Pedro escalava a cajazeira, o perigo aumentava exponencialmente. Partes fumegantes começavam a deixá-lo com náuseas, mas não havia condições de retornar, tudo estava traçado, tudo estava selado.
          
O galho mais sensível foi alcançado. Pedro começou o corte deste, concluindo-o heroicamente, embora tenha vergado sobre a alta tensão, fulminando-o instantaneamente.
          
Chegava ao fim a existência do bravo sertanejo que, instigado pela ganancia e falta de solidariedade, fora obrigado a desafiar o rigor instituído pela tradição no que diz respeito ao dia consagrado aos mistérios que envolvem uma construção coletiva realizada em bases evocativas que remontam ao milenarismo das crenças dos antigos colonizadores.   

Conto laureado com Menção Honrosa no Resultado final do Terceiro Concurso de Crônicas, Contos e Poesias "João Batista Cascudo Rodrigues" - Versão 2016 - Promoção: Academia Mossoroense de Letras – AMOL

José Romero Araújo Cardoso (Mini Currículo):

Geógrafo (UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP). Membro da Associação Mossoroense de Escritores (ASCRIM).
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