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terça-feira, 6 de dezembro de 2016

JOGANDO TUDO PELA JANELA

*Rangel Alves da Costa

Sim, vou jogar tudo pela janela. Não preciso mais acolher ao meu lado aquilo que não suporto mais tolerar. É como se estivesse com inimigo, dormisse com desafeto, dialogasse com algum hostil. Ora, tenho minha vida e preciso viver, preciso amar, preciso ser feliz, preciso sorrir. E já nem isso posso por que quem não gosta de mim insiste em ficar junto a mim e azucrinar toda a vida. 

Mas vou jogar tudo pela janela e nunca mais pretendo ter ao meu lado, nem em sombras nem do outro lado da porta. Então que se vá tristeza, solidão, angústia, aflição, sofrimento, dor, saudade, desesperança. Então que se vá melancolia, descrença, submissão, passividade. Ou tudo se vai ou tudo será jogado pela janela. Não mais admitirei um só instante onde eu não possa sonhar sonhos bons, não possa sorrir planejando o amanhã, não me sinta forte e feliz vivendo o momento.

Assim, a porta está aberta e a janela também. Nada de ruim quero mais perto de mim. Chega. Ou sai pelo bem ou pelo mal. E conheço muito bem um santo remédio para expulsar coisa ruim: a paz, o sorriso, a felicidade. O imprestável não suporta o contentamento. E estou radiante. Não há mais lugar para nada negativo junto a mim. Até olho ao redor e encontro outra vida, outro viver. Borboletas voejam, pássaros cantam, colibris beijam flores, a brisa chega como canção.

Houve um tempo que eu até deixava me escravizar pelo negativismo. Mesmo na primavera, meu ânimo de espírito e alma era de um outono sombrio e doloroso. Parecia que semeava tristezas e sofrimentos, parecia que buscava angústias e preocupações. Era um tempo que tanto fazia flores de plástico como rosas viçosas do amanhecer, que tanto fazia a janela estar aberta para o alvorecer ou para a tempestade. Não tinha felicidade por que não a buscava. Era amigo da saudade, do lenço, do remoer dores antigas. Música somente aquela que me fizesse chorar, poesias somente aquelas que me fizessem sofrer, pensamentos somente aqueles que me trouxessem aflições. 


O espelho não possuía nenhuma valia perante a falta de estima. Qualquer roupa esfarrapada vestia bem o renegado ser. Nada de bom que pudesse ouvir trazia algum significado bom. Gostava do sino da igreja para relembrar os jazigos, apreciava o miado funesto do gato no telhado, tanto fazia o sofrer do outro como o meu. Talvez meu corpo sequer se molhasse no sereno ou na tempestade. Vinho e veneno possuíam o mesmo sabor e o mesmo prazer em beber. O obituário do mundo sendo encontrado em qualquer livro que estivesse ao alcance. 

Talvez eu preferisse estradas de espinhos a caminhos floridos e refrescantes, talvez eu sentisse o mesmo gosto na pedra que no pão. Deitar para que, sonhar o que, acordar para que? Tanto fazia a manhã brilhosa como a noite sem lua. E talvez também uivasse o mesmo uivo triste e lamentoso de um lobo em uma solitária estepe. Sim, eu era assim. E por isso que o negativismo foi se acastelando de tal forma que me tornei em acumulador de inércias a toda felicidade. Mas decide que a janela possui outra serventia. Resolvi não mais dar guarida ao livro de Dante.

Acordei e a primeira coisa que fiz foi abrir a janela, e bem aberta mesmo, escancarada. Abri bem os olhos, enfrentei com olhos bem abertos a manhã, a natureza ao redor, os madrigais da aurora, e depois aspirei e respirei outro ar. Senti como se sorrisse por dentro, senti-me reconhecendo a minha própria existência. Eu vivia. Veio-me, enfim, a certeza. Em seguida, abri também a porta e deixei o sol entrar com toda a sua pujança. E que tempo novo em meu viver. 

Depois fui jogando do outro lado tudo aquilo que tanto havia me aprisionado. E por tanto tempo. Mas agora eu tinha pressa, estava ávido para afastar de mim tudo aquilo que havia me transformado em escombros. E cantava enquanto jogava a tristeza fora, e sorria enquanto lançava ao longe toda a aflição e agonia, e me comprazia em arremessar para o mais distante além o outro lado que havia em mim. O outro lado sim, pois nasci para ser feliz, para a felicidade.

E depois me olhei no espelho. E como foi bom me encontrar novamente!

Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com


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