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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

ONTEM E HOJE DE UM BAIRRO MOSSOROENSE NA VISÃO DO CORDELISTA ANTÔNIO FRANCISCO

Por José Romero Araújo Cardoso

Ao Prof. Dr. José Lacerda Alves Felipe, maior geógrafo do Estado do Rio Grande do Norte

Antônio Francisco Teixeira de Melo, sertanejo autêntico, licenciado em História pelo Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), doutor honoris causa pela mesma Instituição de Ensino Superior, mossoroense que vem conquistando o planeta com seus cordéis bem escritos, inteligentemente pensados e articulados, descobriu tardiamente dom apurado para a composição da autêntica literatura popular nordestina.

Antônio Francisco Teixeira de Melo
          
Sua produção cordelista vem açambarcando do imaginário ficcional ao cotidiano, passando pela defesa intransigente da natureza aos detalhes que marcaram e marcam aglomerados humanos em forma de bairro, entre outras inúmeras inspirações importantes.
          
Exemplo da influência exercida por sua infância em sua produção literária, destaca-se importante cordel que integra a Coleção Queima-Bucha por título Um Bairro chamado Lagoa do Mato, cuja apresentação ficou a cargo de Jane Melo, irmã do renomado poeta popular mossoroense.
          
A primeira estrofe destaca que o cordelista nasceu em uma casa de frente para a linha do trem da Estrada de Ferro Mossoró-Sousa, tendo crescido vendo a garça, a marreca e o pato. À tarde o veto nordeste soprava forte, quando o trem apitava, a máquina gemia, soltando faísca de fogo no ar.
          
O bucolismo pretérito do antigo bairro Lagoa do Mato é destacado em cada estrofe, pois o canto do galo, a reposta do peru, o grito do pássaro carão quebrando aruá, o pio da cobra caçando preá, o canto em dueto do sapo com a jia, o balé do aguapé, eram completados com as histórias do avô sobre cabra valente.
          
Em suma, verdadeira representação de comunidades marcadas pela simplicidade, paz e harmonia, distante da agitação que caracterizam centros urbanos sofisticados e marcados pela presença de circuitos superiores que fomentam dinâmicas econômicas que desfiguram manifestações humanas aprazíveis e naturais.
          
A poética contida na forma como a lua entrava na casa do cordelista suscita forçar a memória a fim de buscar lembranças pretéritas acerca de um sertão puro e simples em sua geografia humana, pois coisas corriqueiras que não fazem parte de forma proeminente do cotidiano são enfatizadas, a exemplo do ato de comer melancia com amigos de infância e depois se banhar em uma lagoa ainda não poluída.


O rio Apodi-Mossoró, ainda livre de dejetos nocivos à saúde humana, corria sem pressa, bem perto do bairro Lagoa do Mato. O cordelista e seus amigos, então, aproveitavam para fazer coisas que hoje não integram indelevelmente a vida de crianças mossoroenses, como pescar despreocupadamente traíras e piabas para o almoço. Bastante evitado nos dias de hoje, devido a poluição, poucos se atrevem a consumir peixes que ainda existem no rio que outrora serviu até para a realização de regatas.
          
A poluição grassa célere, afetando significativamente a qualidade de vida das pessoas que habitam as margens do rio Apodi-Mossoró, incidindo impactos ambientais extraordinários que destoam as características naturais originais do curso dágua genuinamente potiguar.
          
Na visão do cordelista Antônio Francisco, hoje tudo é diferente no bairro Lagoa do Mato, pois a lagoa não existe mais, foi assoreada em razão dos interesses do capital e dos descasos da humanidade para com o importante ecossistema. O vento que antes amenizava o calor, conforme o poeta popular, está mais quente, fato corroborado por muitas pesquisas cientificas que apontam o desmatamento como uma das causas do aquecimento do vento nordeste.
          
Os raios da lua não conseguem brilhar, tendo em vista que o império dos neons tirou o romantismo do satélite natural terrestre. Os peixes se perderam debaixo do barro, enquanto o sapo e a jia foram embora, havendo ênfase somente para rosas de plástico.
          
A desativação da Estrada de Ferro Mossoró-Sousa, além de ter tirado inúmeros empregos diretos e indiretos, também trouxe desgosto a muitos moradores potiguares e paraibanos que tinham na velha máquina alento para buscar felicidade tão necessária ao dia-a-dia de todos os seres humano através da incorporação do trem ao sentido das próprias existências. Contemplar a passagem da composição férrea era algo que estava diretamente vinculado às atividades das pessoas nos dois Estados nordestinos.
          
A modernidade, seus efeitos e suas consequências alcançaram o bairro Lagoa do Mato, tirando-lhe a originalidade, mas pelo que foi destacado pelo cordelista Antônio Francisco, ainda há resquícios da cultura popular presente de alguma forma, quando pamonha, canjica, beiju, tapioca e outros coisas que são típicas da produção da nossa gente ainda são comercializados no encantador bairro que viu nascer um dos mais brilhantes representantes da autêntica literatura regional.       

José Romero Araújo Cardoso:
Geógrafo (UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste, temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP).
Endereço residencial: Rua Raimundo Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN – CEP: 59.626-630 – Fones: (84) 9-8738-0646 – (84) 9-9702-3596 – E-mail:romero.cardoso@gmail.com

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