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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"OS SINOS DA CATEDRAL DE MOSSORÓ

Do livro Crônicas Anacrônicas de Francisco Obery Rodrigues

Outra impressão forte que ficou gravada, de forma indelével, em minhas lembranças de Mossoró, foi o badalar dos sinos da nossa Catedral.

Ja na infância ouvia, logo ao amanhecer, seu toque convocando os fiéis para as missas das cinco: eram três, com intervalos de quinze minutos. Aos domingos, além das chamadas para a missa das seis, havia as da missa conventual, das nove horas. Parece que esse costume se acabou, assim como o toque do Ángelus, às seis da tarde, ao som do qual os católicos se persignavam e rezavam uma Ave Maria.

Em maio, quando se celebravam, todas as noites, as novenas do mês de Maria, os sinos tocavam chamando os devotos. No último dia do mês, havia festa da coroação. Esta tradição parece que também terminou. Em dezembro, na tradicional festa de Santa Luzia, as duas campas de bronze repicavam festivamente de madrugada, misturando seus sons com a salva de foguetões, ao meio dia e à noite, durante dez dias, desde o do levantamento da bandeira até a última noite, dia 13, feriado, quando seu alegre badalo acompanhava a procissão em todo o seu percurso, até o encerramento festivo.

Entretanto, o que mais me marcou foram os tristes dobres de finados. Quando falecia alguém, era a forma de se divulgar o fato. Se o morto era rico, Raimundo Sacristão, o maestro dos sinos, se esmerava, combinando os sons graves do sino maior com os sons agudos do menor, num compasso mais dolente do que a Marcha Fúnebre de Schubert. O dobre se repetia várias vezes enquanto não se iniciasse a missa de corpo presente; e quando o féretro saia da Igreja ele acompanhava do alto da torre até a chegada ao cemitério. Se o defunto era de classe média, o sacristão misturava os dois tons, mas noutro ritmo e por menos tempo. Se pobre, funcionava só o sino memor: tlim-tlim, tlim-tlim... Hoje, felizmente, esse costume praticamente não existe. Só em casos excepcionais como falecimento do Bispo da cidade ou do Papa, os sinos dobram a finados.

Havia também o toque da despedida do Ano-Velho e saudação ao Ano-Nobo. Exatamente à meia-noite, juntava-se o apito, que mais parecia longo gemido, da velha usina elétrica, ali na esquina da Rua Dionísio Filgueira com a Meira e Sá, ao das várias fábricas de óleo da cidade, e ao toque solene, alegre para uns e triste para outros, de todos os sinos da cidade.

Os sinos, tanto os da Catedral como os de outras igrejas, foram úteis à população, quando o bandido Lampião ameaçou invadir a cidade, e o fez em junho de 1927. Os boatos eram muitos e desesperadores. Na vespera da invasão, 22 de junho, todos os sinos badalaram às onze da noite e continuavam badalando enquanto não chegava o trem que levava muita gente de Mossoró para Porto Franco, em repetidas viagens.

Não encontrei no livro dos nossos historiadores nenhuma informação que confirme se os sinos atuais são os mesmos adquiridos para a primeira capela. O Cônego Francisco de Sales Cavalcanti registra a compra de um sino para a capela, em 13.06.1802, por 44$00.

Diz Câmara Cascudo, em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, que o sino surgiu na Índia e na China desde tempo imemorial, fixando-se nos templos católicos no século VII e, no Brasil, no século XVI. "Era batizado como criatura humana, tendo nome e padrinhos. As vezes havia uma percentagem de ouro no bronze, produzindo sonoridade musical. Igreja sem sino é santo sem língua. Muitas superstições sobre a corda do sino, o badalo, as "beiradas". Os carrilhões melodiosos não se vulgarizaram na cultura popular. Chamava os fiéis aos deveres da oração aos "semelhantes", sofredores, moribundos, mortos. Convocação para os atos religiosos. Afastava os Demônios das tempestades. Avisava a existência de incêndios, inundações, assaltos guerreiros; visitas de autoridades supremas."

Os sinos foram lembrados por vários romancistas, entre eles E. Hemingway, em "Por Quem os Sinos Dobram", sobre a Guerra Civil Espanhola. Também poetas a eles se referiam em seus versos. Manoel Bandeira dedicou-lhes pelo menos duas poesias: "Sinos de Belém": "Sino de Belém, pelos que ainda vêm!/Sino de Belém, bate bem, nem, nem./Sino da Paixão, pelos que lá vão!/Sino da Paixão, bate bão-bão-bão." Esta também em "Orfeu": "Os sinos voltam de longe/desperta a ronda infantil/os homens-enigma passam/ Não reconhecem ninguém/ O mundo muitas vezes/ É tão pouco sobrenatural". E Olavo Bilac, escreveu o belo soneto "Os Sinos": "Plangei os sinos! A terra ao nosso amor não basta..."

Acho que os sinos deveriam voltar a tocar, não os tristes dobres de finados, mas chamando os fiéis as missas. Às seis da manhã, ao meio dia e, às seis da tarde, o toque da hora sagrada do Ângelus. A igreja cujo o sino está em silêncio pode não ser "um santo sem língua", mas é um templo sem voz. E eu não conheço, nas poucas cidades por onde andei, afora as dos grandes carrilhões, toques tão solenes e belos quanto os da nossa Catedral de Sanra Luzia. Sempre que me recolho ao silêncio das recordações mais distantes, entre os muitos sons que ficaram gravados em minha memória auditiva, eles se destacam, ora repicando alegres e convidativos, ora dolorosamente plangentes.

"No noturno pátio/ Sem silêncio, ó sinos/ De quando menino,/ Bimbalhai meninos,/ pelos sinos(sinos que não ouço),/ Os sinos de Santa Luzia." (Manuel Bandeira, Natal Sem Sinos).

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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