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quarta-feira, 4 de março de 2015

O CANGAÇO COMO DESTINO E SINA

Por Rangel Alves da Costa*

O cangaço foi verdadeiro destino e sina para muita gente sertaneja. Foram diversas as motivações que - numa junção de fatores - permitiram que o sertanejo enveredasse pelos difíceis e perigosos caminhos do cangaceirismo. Desde o encantamento do homem perante aquele mundo surrealista à necessidade de compartilhar no combate às injustiças, tudo podia conduzir ao cangaço. Mas se assevere que nenhum se tornou cangaceiro por acordo ou em troca de qualquer favor.

Virgulino Ferreira da Silve, o Lampião, líder máximo de quantos chefes cangaceiros já existiram nas terras nordestinas, é exemplo maior de como o homem, tantas vezes, tem seu destino forjado pelos acontecimentos. Mesmo nascido e crescido numa região violenta, de rixas e disputas sangrentas, teve que sentir no sangue familiar jorrado o seu destino marcado. E quando foi além da vingança chamou para si um caminho sem volta. Fruto do meio hostil, revoltosa cria da violência e da injustiça, de repente já havia se transformado em ponta de espinho.

Os primeiros bandos surgidos, portanto antes do aparecimento de Lampião, eram formados por sertanejos cujas motivações não eram outras senão ter ao seu alcance um meio de expressar suas iras e revoltas. Alguns viam no bando um escudo contra perseguições de outros crimes praticados, mas a maioria via no grupo organizado uma forma de empunhar armas contra as perseguições, as tiranias, o poderio cruel dos latifundiários e coronéis e a submissão imposta ao pobre sertanejo. Logicamente que não havia nenhuma ideologia, mas simplesmente a vontade de combater aquilo tido como mal que assolava o sertão.

Mas é preciso que se lance um olhar ao contexto social das terras nordestinas onde o cangaço foi germinando. Se ainda hoje a pobreza extrema é ainda encontrada por todo lugar, naqueles idos a situação era ainda mais estarrecedora. O homem vivia da terra e esta estava nas mãos de uns poucos poderosos. A estes tinha de se submeter não só para sobreviver como para continuar vivendo. Era uma realidade marcada pelo jugo coronelista, pelo abandono do Estado, onde a lei era tida como carta marcada à disposição do poder.


O homem empobrecido, encabrestado e sob o jugo do poder, se via de mãos e pés atados por cima do seu próprio chão. Não podia contar com a lei sem se ajoelhar perante o coronel, não podia sobreviver com dignidade sem deixar uma parte de si escravizada pelo mando, não podia bradar sua revolta e indignação para não ser prontamente vitimado. Era uma situação de agonia e desesperança. Sem a terra, sem um ofício digno, muitos acabaram prestando serviços de sangue aos poderosos. Tornaram-se matadores, jagunços, sanguinários.

Só havia um meio de lutar contra essa situação, esse estado de abusos: empunhando armas e lutando contra o poder, o Estado, as forças tidas como legais, mas que não passavam de mecanismos de perecimento total das forças do homem. E assim foram se reunindo em grupos, num misto de homens deserdados da terra, perseguidos, revoltosos e dispostos a contestar pela voz da arma a violência já desde muito enraizada. Rudes, brutais, cheios de ódio, dispostos a enfrentar qualquer perigo, assim eram aqueles primeiros bandoleiros. E não foi muito diferente daí em diante, pois as motivações persistiram.

Desse modo, para muitos o cangaço surgiu como sina após as forças poderosas de então impedir seus destinos de homens trabalhadores e desejosos apenas de meios produtivos para sobreviver. Se a sina de sofrimento estava sendo imposta pelos donos das terras, das leis e da vida, então que o destino fosse forjado no combate aos algozes. E os carrascos do desvalido nordestino eram sempre os promotores das injustiças, ainda que muitas vezes os líderes cangaceiros tenham pactuado com os poderes em troca de proteção, armamento e dinheiro.

Por outro lado, numa fase posterior, o chamado ao cangaço se deveu também ao encantamento provocado pelo bando, principalmente as feições ensolaradas e cativantes dos cangaceiros. Muitos jovens sonharam e depois enveredaram pelos caminhos da luta sangrenta tão somente pelo maravilhamento e ilusão de um mundo cheio de nobres aventuras. A visão da cangaceirama como pessoas valentes, como guerreiros invencíveis, bem como pela suntuosidade das vestimentas, dos ornamentos e armas, também fez despertar o interesse de muitos descontentes com as mesmices sertanejas.

Já outros viram no cangaço um tipo de acerto de contas, uma oportunidade de dar respostas aos abusos costumeiramente praticados pelas autoridades contra os desvalidos homens da terra. O caso de Zé de Julião, o cangaceiro Cajazeira, é exemplar. Depois de presenciar tantas violências e arbitrariedades praticadas pela polícia, bem como após afirmar que não suportava mais aceitar calado as contínuas extorsões cometidas contra seu pai, um próspero fazendeiro sertanejo, decidiu seguir os destinos do cangaço para combater o opressor. E foi aceito no bando, juntamente com sua jovem esposa Enedina.

Cada um com sua justificativa, suas motivações, mas todos vendo no cangaço uma forma de luta contra um mal maior. Luta esta historicamente incompreendida, principalmente porque a guerra cangaceira não foi contra nenhum inocente, mas contra o poder opressor.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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