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domingo, 5 de janeiro de 2014

Vó Marica do Tipi Parte 2

Vicente Landim de Macedo em Palestra sobre sua Vó Marica Macedo no Cariri Cangaço em Aurora

Meu pai me dizia que minha avó, sempre atenta ao bom relacionamento dos filhos, procurava prevenir qualquer desavença entre eles. Certa vez, toda a família se preparava para ir a cavalo às festas de fim de ano em Aurora. Cada filho, como era de se esperar, desejava escolher o melhor animal. A fim de evitar discórdias, vó Marica, em sua inata sabedoria de sertaneja, decidiu que, à medida que cada filho fosse acordando, poderia escolher o cavalo desejado. Alguns filhos foram dormir cedo.  Outros, querendo ser mais espertos, tentaram ficar acordados até o amanhecer, mas não conseguiram. Os que se deitaram mais cedo acordaram primeiro e escolheram os melhores animais.Tudo foi resolvido em paz.

Passo agora a falar da atuação de minha avó Marica na política de Aurora. A política do coronelismo dominante, naquela época, no Cariri, sul do Ceará, não foi exercida somente por homens, mas também por mulheres que assumiram a condição de chefe político em suas regiões, enfrentando o poder policial, político e social de alguns coronéis, derrubando intendentes municipais (prefeitos) e políticos locais. Entre aquelas mulheres, destacam-se: dona Generosa Amélia da Cruz, em Santana do Cariri; dona Fideralina Augusto Lima, em Lavras da Mangabeira e Maria da Soledade Landim, vó Marica, no município de Aurora.

No início da primeira década de 1900, as famílias Leite, Gonçalves, Macêdo e Landim dominavam a política de Aurora, de comum acordo com o Presidente do Estado. Na época, era Intendente Municipal e Coletor de Aurora Antônio Leite de Oliveira e um dos chefes políticos o Coronel Antônio Leite Teixeira Neto, conhecido como Totonho Leite ou Totonho de Monte Alegre, ambos parentes próximos dos meus avós. Seguindo o exemplo de vários outros municípios do Ceará, o Coronel Totonho resolveu destituir Antônio Leite de Oliveira e assumir a Intendência municipal de Aurora. Para conseguir seu intento, Coronel Totonho solicitou o apoio de minha avó e filhos, mas ela não concordou com tal procedimento e determinou aos filhos que não apoiassem a atitude do Coronel Totonho, sogro de sua filha Joana da Soledade Landim (Joaninha).


 Caravana Cariri Cangaço em visita ao Tipi em Aurora: 2013. 

Alegou vó Marica que o então Intendente de Aurora, Antônio Leite de Oliveira, estava fazendo uma boa administração, não vendo ela motivos para destituí-lo das funções que ocupava. Além do mais, ele, como o Coronel Totonho, também era seu parente. Observem como vó Marica, com seu temperamento forte e decisivo agia em defesa daqueles que ela entendia que estavam agindo corretamente. Antônio Leite de Oliveira foi destituído do cargo de Intendente de Aurora, sendo substituído pelo Coronel Totonho Leite Teixeira Neto. Em razão desse acontecimento, passaram a existir rivalidades entre as famílias Leite e Gonçalves, partidárias do Coronel Totonho, e as dos Macêdos, Paulinos, Ribeiros Campos e Santos, correligionários de vó Marica e amigos do Coronel Domingos Leite Furtado, chefe político de Milagres, e do Major José Inácio, do Barro.

Em consequência dessas discórdias e das divergências de limites de algumas propriedades, na região do Coxá, próxima ao Taveira, terras valorizadas pela existência de minas de cobre, ocorreram graves perseguições das autoridades municipais de Aurora aos seus adversários políticos.O grupo que apoiava o procedimento do novo Intendente de Aurora resolveu invadir a propriedade de vó Marica, no Tipi, e o Taveira, onde residia o Capitão José dos Santos e ali estavam asilados os Paulinos, fugitivos das autoridades aurorenses que queriam prendê-los. A ascendência de vó Marica sobre seus familiares e correligionários era muito forte, como se observa no seguinte acontecimento.

Vicente Leite de Macêdo, filho do Coronel Totonho, soube que seu pai e correligionários planejavam a invasão do Tipi e do Taveira.  Imediatamente, enviou ao Tipi sua mulher Joaninha, filha de Marica, para avisá-la de que sua propriedade seria invadida pela força policial de Aurora, reforçada por soldados provenientes de Iguatu e Lavras da Mangabeira, formando um contingente de mais de 60 homens. Vó Marica contava somente com 20 homens, entre filhos, o irmão Amâncio e empregados de sua confiança, para reagir ao iminente assédio à sua propriedade.    Excelente estrategista resolveu partir imediatamente para o Brejão, no Cariri, onde teria o apoio de seus parentes.

Ângelo Osmiro, Vicente Landim Macedo, Aderbal Nogueira e Manoel Severo 

Prontamente, de acordo com seu irmão Amâncio, arrearam os animais e seguiram viagem. Vó Marica montada em seu cavalo alazão, com o inseparável bacamarte a tiracolo, seguia na frente. Foram pelo caminho mais seguro e rápido, que era pelo Taveira, mas, em face do cansaço de todos e da hora avançada, tiveram que pernoitar na casa do Capitão José dos Santos, pois ainda faltavam muitos quilômetros para chegarem ao Brejão. Após se acomodarem, na noite do dia 16 de dezembro de 1908, por volta das três horas da madrugada do dia seguinte, 17 de dezembro, a casa onde estavam foi atacada pela força policial composta por 67 soldados, comandada pelo Tenente Florêncio, orientado por Manuel Gonçalves Ferreira, Primeiro Suplente de Juiz, e Róseo Torquato Gonçalves, Delegado de Aurora, auxiliares diretos do Coronel Totonho, travando-se pesado tiroteio até às oito horas da manhã, quando os atacantes se retiraram,  deixando morto o jovem José Antônio de Macêdo (Cazuza), com 14 anos, o 5º filho de vó Marica, e ferido o dono da casa, Capitão José dos Santos.

Vó Marica, com sua personalidade muito forte, mesmo diante do trágico acontecimento, morte de seu filho, não se entregou, reagiu com coragem, própria de um verdadeiro comandante no campo de batalha, pois, quando viu o corpo do filho caído no chão, indagou: “Ele está vivo?” Com a resposta negativa, disse: “Encostem o cadáver no pé da parede, bala na agulha. Vamos brigar! Ele já está morto. Vamos defender os vivos”. A casa do Capitão José dos Santos foi atacada porque os enviados do Coronel Totonho pretendiam prender os Paulinos, que ali estavam escondidos, e, certamente, humilhar Marica Macêdo e seus familiares, os Ribeiros Campos, os Santos e o  grande amigo, o Coronel Domingos Leite Furtado, chefe político de Milagres.



Estrada que liga Aurora ao Coxá 

Na manhã do dia 17, a notícia se espalhou. De imediato, chegaram para apoiar vó Marica e seus amigos, o Coronel Domingos Leite Furtado, de Milagres, e o Major José Inácio, do Barro, Antes de seguir viagem para o Brejão, com o apoio dos correligionários e amigos, vó Marica enterrou seu filho Cazuza no cemitério de Boa Esperança, atual Iara. Apesar da aparente frieza de minha avó, na atitude por ocasião da morte de seu filho, ela sofreu muito pelo acontecido, pois minha mãe contou-me várias vezes que vó Marica afirmava sempre que a maior dor que pode acontecer a uma mãe é a morte de um filho e ela sempre rezava pedindo a Deus que nunca mais a deixasse passar por igual tragédia. Ela foi atendida em suas preces, como iremos constatar quando falarmos da sua morte.

Minha avó continuou sua viagem para o Cariri, onde recebeu apoio de seus parentes Coronel Antônio Joaquim de Santana, de Missão Velha, Coronel Raimundo Macêdo (Joca do Brejão), de Barbalha, e de vários outros chefes políticos da região. Imediatamente, os chefes políticos que apoiaram vó Marica telegrafaram ao Presidente do Estado, solicitando que determinasse a imediata volta dos policiais que tinham  vindo das cidades de Iguatu e Lavras da Mangabeira, para reforçar o contingente de Aurora, composto apenas por 6 soldados.  Pois eles iam invadir Aurora. O Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioli, Presidente do Estado, rapidamente atendeu aos citados coronéis e determinou que a força policial regressasse às cidades de origem.


Major Zé Inácio do Barro 

Os amigos de vó Marica reuniram um contingente de 600 homens armados que, sob o comando do Major José Inácio de Souza, do Barro, no dia 23 de dezembro, seguiu para Aurora com o objetivo de destituir da função de Intendente do município o Coronel Totonho Leite e seus correligionários dos demais cargos que ocupavam na administração da cidade. Os objetivos foram alcançados após seis horas de tiroteio. Infelizmente, como costuma acontecer com grande número de pessoas, os homens comandados pelo Major José Inácio não se restringiram somente a destituir o Coronel Totonho Leite e aliados das funções que exerciam em Aurora, eles exorbitaram de sua missão, praticando arbitrariedades e saqueando casas comerciais e fazendas.

Continua...

Vicente Landim Macedo

Parte de Conferência do Cariri Cangaço 2013 em Aurora

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ANÉSIA CAUAÇU, A PRIMEIRA CANGACEIRA -

Por Archimedes Marques


Conheça a história de Anésia Cauaçu. Anésia Cauaçu, mulher, mãe, guerreira.

E Anésia contou:

"Os Cauaçus eram comerciantes e lavradores. Fazendeiros, possuindo algum capital, com muitas cabeças de gado, foram sempre muito considerados em Jequié, Brejo Grande, Conquista Maracás, Amargosa e Boa Nova, negociando com as principais firmas do sertão baiano, dispondo de muito crédito e bom conceito."

Jornal ATARDE, 25.10.16, p. 1.  

Os Cauaçus fizeram lenda numa vasta região que se inicia na Chapada Diamantina e chega até a caatinga de Jequié, Maracás e vizinhanças, onde desde o século XIX se destacaram pela coragem e bravura. Em nossa região, a parte da família que aqui vivia como pacatos agricultores e criadores de bode e gado, terminou empurrada para a luta armada, quando um de seus membros foi assassinado a mando de Zezinho dos Laços, personagem que aterrorizou a região por várias décadas.



Anésia era uma Cauaçu de fibra. Alta, esguia, olhos azuis, não tinha o perfil da catingueira. Casada, mãe pelo menos de uma filha, viu-se envolvida nas lutas que se seguiram contra o bando de Zezinho dos Laços, Marcionílio e Tranqüilino Sousa, além da própria polícia. Viu morrerem pais e irmãos, bem como vários membros de seu bando; viu também sua mãe ser presa e torturada, nem assim jamais se abateu. Nas lutas em que se envolveu, logo adquiriu fama de exímia atiradora, de pontaria melhor que os homens do bando, capaz de acertar o dedo de um militar que apontava a seus comandados a direção onde estavam os Cauaçus, a mais de 300 metros de distância!  

Anésia foi presa em 1916 e solta em seguida. Por volta de 1930, ao que se sabe, vivia na região de Ilhéus. Não se tem notícia da data de sua morte nem do que teria acontecido a sua filha. 

Zezinho dos Laços foi morto numa emboscada preparada pelos Cauaçus. O banditismo na região de Jequié sofreu forte baixa a partir da Revolução de 1930, com as prisões de Marcionílio e de seu filho Tranquilizo Sousa. Capitão Silvino de Araújo, que às vezes lutava contra os homens de Marcionílio e, em outras, contra os próprios Cauaçus, por apoiar o movimento de 30, recebeu as graças do governo revolucionário. 

De seu lado, Anésia passou à história como uma figura única de mulher, mãe e guerreira. Seu vulto histórico se amplia o passar do tempo.

(PUBLICADO NO GRUPO O CANGAÇO, DO FACEBOOK

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