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quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Grande Festa marca Cariri Cangaço em Aurora

Por: José Cícero
 

Numa noite de celebração Aurora promoveu um verdadeiro reencontro do passado com o presente, através de mais uma edição do Seminário Cariri Cangaço. Uma discussão que trouxe como tema a célebre e controversa história de Marica Macedo do Tipi. Ela que ao lado de D. Fideralina de Lavras da Mangabeira compôs a histórica dupla de matriarcas do Cariri Oriental, razão porque não foi à toa que ficaram  também conhecidas sob a alcunha de  "as coronelas de saia" do sertão.

Na sua fala o prefeito Adaílton Macedo ressaltou a importância do CC  para o fortalecimento da história de Aurora e da região, assim como da figura histórica de Marica Macedo, o que também foi enfatizado pelo secretário de cultura José Cícero. 

 
 Prefeito Adaílton Macedo, entre José Cícero e Manoel Severo

 
Penitentes de Aurora, na abertura do Cariri Cangaço em Aurora

Já o curador Manoel Severo, além de elogiar a organização do evento local também ressaltou o papel de Marica Macedo na história do Cariri, assim como destacou o empenho do prefeito Adaílton e do secretário José Cícero durante as três edições em que Aurora sedia o acontecimento. Na mesa dos debates, também se pronunciaram a Drª Juliana Ischiara, de Quixadá, Dr. Lamartine Lima, de Salvador e o Dr. Ivanildo Silveira de Natal, ambos foram unânimes  quanto a interessante história de Marica Macedo, bem como na formidável explanação do palestrante da noite. Todos também elogiaram  a Cidade e a organização do evento.

A explanação acerca da história de Marica ficou a cargo do seu neto, o Dr. Vicente Landim de Macedo radicado na capital federal há mais de meio século. Uma palestra, por sinal, das mais ricas e esclarecedoras  para todos os que desejam sempre aprender um pouco mais sobre os acontecimentos marcantes tanto de Aurora quanto dos sertões do Cariri e do Nordeste. Algo que jamais poderia ser dispensado, principalmente pela comunidade acadêmica, estudantes, professores e formadores de opinião de um modo geral.


Dr. Vicente Landim Macedo, conferencista da noite em Aurora
Mesa de debates: José Cícero, Lamartine Lima, Juliana Ischiara e Ivanildo Silveira

O auditório da escola técnica ficou literalmente  pequeno diante do grande número de pessoas que compareceu ao evento, além de pesquisadores nordestinos e familiares da homenageada. Uma grande caravana  de entusiastas dos temas sertanejos e lampiônicos capitaneada pela curadoria do Cariri Cangaço também compareceu ao seminário. Sem que antes realizaram visitações técnicas ao antigo casarão do clã Macedo na vila Tipi e a famosa  fazenda Ipueiras que um dia pertenceu ao coronel Isaías Arruda.

A comitiva também visitou a antiga estação ferroviária, local do atentado contra o cel. Isaías Arruda em agosto de 1928. Em seguida, o Casarão da Rffsa sede da secretaria de cultura e turismo. Figuras ilustres e reconhecidas do tema do cangaço e da história dos sertões  estiveram presente em Aurora participando do acontecimento, dentre as quais o Dr. Lamartine de Lima, a antropóloga e professora da UERJ Luitgarde Oliveira Cavalcanti  Barros, o renomado escritor do cangaço Antonio Amaury Correia, Archimedes Marques, Antonio Villela, os pesquisadores Kydelmir Dantas e João de Sousa Lima entre muito e muitos outros. 

Família Cariri Cangaço visita o Distrito do Tipi, de Marica Macedo
 
Casais Lamartine Lima e José Cícero, ao lado de Manoel Severo

No aspecto das atrações culturais, destaques para a notável participação do grupo dos Penitentes da Ordem Santa Cruz de Aurora que abriu o evento, seguida da dupla de violeiros da terra - uma das mais jovens do Nordeste - formada pelos irmãos  Alex Luna e Edivânio Luna do sítio Oiticica, cuja performance agradou e encantou a todos os que estavam presentes. A curadoria do Cariri Cangaço também homenageou ao final , o prefeito Adailton Macedo, o Dr. Marcolino Lira, o Dr. Vicente Landim de Macedo e a filha do coronel Isaías Arruda, dona Orlandina Bruno Arruda de Figueiredo.

Após a solenidade, o município ofereceu a todos os convidados e visitantes uma belo jantar regado a muito forró de pé de serra animado pelo Trio Forró Pesado nas dependências do Centro Social Urbano na vila Paulo Gonçalves. A ornamentação centrada na temática sertaneja tanto do auditório quanto do CSU  foram itens que chamaram a atenção dos presentes, em virtude do esmero e da elegância com que foram confeccionados e construídos uma trabalho da equipe da Secult-Aurora.

Lamartine Lima, Manoel Severo e Vicente Landim  de Macedo
Prefeito Adailton Macedo recebe título do Cariri Cangaço por José Cícero

Na mesma oportunidade o Dr. Vicente Landim de Macedo apresentou o seu novo trabalho literário - 'Tipi, de arbusto à distrito' - que foi oficialmente lançado no dia seguinte, sábado, dia 21 na comunidade do Tipi com apresentação dos repentista mirins Alex e Edivânio. Onde também ocorreu a celebração de uma missa na capela local oficiada pelo bispo Dom Fernando Panico.

O Cariri Cangaço que teve início no último dia 17 de setembro, ocorre em sete municípios caririenses tratando dos mais diferentes assuntos intimamente ligados à temática sertaneja e nordestina. Um acontecimento que, conforme opinou o secretário José Cícero "de tão festejado, eclético, rico e participativo já começa a deixar saudades...Um verdadeiro marco no calendário festivo e cultural da região. Algo que no seu conjunto expressa as grandes qualidades sul cearenses, tendo como pano de fundo a própria realidade das gentes do Nordeste nas suas agruras, resistência, sofrimento, arte, cultura e valentia. E que igualmente projeta e evidencia no além-fronteiras as artes, os valores e a história de todos os municípios envolvidos. Que venha logo 2014", disse.



Cariri Cangaço 2013

20 de setembro

Aurora, Ceará
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A morte de Lampião e seus cabras - Parte III

 

Cabeças decepadas na casa do matador

O que mais impressiona ainda hoje não é a sanha com que os "macacos" correram para assegurar o butim que lhes cabia em face da derrota dos inimigos, mas a maneira cruel como agiram com os cadáveres, cortando-lhes as cabeças e exibindo-as como se fossem um troféu. Ao cortá-las colocaram-nas dentro de sacos de pano, embarcaram-nas no porto de Piranhas com destino a Maceió. Antes, porém, a encomenda macabra passou pela residência do Tenente João Bezerra, em Piranhas, pois o oficial fez questão de que sua mulher, Cyra Bezerra visse e reconhecesse a cabeça do "Cego", como chamavam Lampião. Eis o relato de Cyra, em entrevista concedida à Revista Manchete, em 28 de novembro de 1964, referida por Elise Grunspan-Jasmim:

"Um grupo de homens surgiu no fim da rua. Na frente deles eu vi Bezerra caminhando todo ensanguentado. Atrás vinham os seus soldados trazendo cabeças seguras pelos seus cabelos. Foi o quadro mais terrível que presenciei na vida. Corri para dentro, apavorada, e me debrucei no berço da minha filha. Não conseguia tirar as mãos do rosto. Foi quando senti entrar gente no meu quarto. Era Bezerra. Ele disse:

- Minha filha, venci. O cego está morto. Venha ver. Mas eu não tinha coragem de tirar as mãos do rosto. Bezerra insistiu:

- Você não quer ver? Olhe, eu estou ferido. Quando me levantei os soldados já estavam no quarto, muito alegres, jogando uns nos outros perfume encontrado com os cangaceiros. Dançavam e cantavam Mulher Rendeira. Eu tinha uma sensação estranha, um arrepio me passava pelo corpo todo. Minha filha no berço e os soldados dançando e cantando em volta dele. Tudo cheirava a suor e a perfume. Aquilo me sufocava. Peguei minha filha e corri para a sala(...) Nossa casa foi invadida. Todo o mundo queria ver as cabeças decepadas. Depois Bezerra olhou para mim e disse:

- Quero ver se você se lembra da cara de Lampião. Quando menina você o conheceu, não é verdade? O cheiro de sangue agora dominava o ambiente. Espalhados pelo chão se achavam os apetrechos dos cangaceiros. Onze cabeças decepadas e ensanguentadas se apoiavam no chão,contra a parede. Uma delas era Maria Bonita. A seu lado estava a de Lampião, com uma expressão de desespero. Disse comigo:

- Nunca mais vai haver Lampião. Sentia um grande alívio.

CONTINUA...

Fonte: Nordestevinteum - Edição nº 41- Dez.2012.

Gentilmente cedida pelo poeta, escritor e pesquisador do cangaço Kydelmir Dantas

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I Encontro SESC de bandas


Estejam todos convidados para participar desse momento mágico
 
Divulguem!!!
Bembem Dantas

Enviado pelo poeta, escritor e pesquisador do cangaço Kydelmir Dantas

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EM BUSCA DA “GUERRA BOA” DOS PRACINHAS

Publicado em 25/09/2013 por Rostand Medeiros
 Desenho representativo de um soldado brasileiro da FEB na Itália 1944/1945 - Fonte - http://fabwiki.blogspot.com.br/2012/07/uniforme-exercito-brasileiro.html
Desenho representativo de um soldado da FEB na Itália 1944/1945 – Fonte –http://fabwiki.blogspot.com.br/2012/07/uniforme-exercito-brasileiro.html
 
Há 70 anos, no dia 13 de agosto de 1943, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB). As tropas saíram para o combate no dia 2 de julho de 1944. Pouco antes de o navio-transporte General Mann partir, com 5.075 soldados a bordo, Getúlio Vargas despediu-se dos “pracinhas”: “Soldados da Força Expedicionária. O chefe do governo veio trazer-vos uma palavra de despedida, em nome de toda a nação. O destino vos escolheu para essa missão histórica de fazer tremular nos campos de luta o pavilhão auriverde. É com emoção que aqui vos deixo os meus votos de pleno êxito. Não é um adeus, mas um ‘até breve’, quando ouvireis a palavra da pátria agradecida”.

No retorno, em 1945, a promessa não foi cumprida. “A gestão da desmobilização dos pracinhas foi politicamente conservadora a fim de evitar a participação dos expedicionários nos conflitos de poder do Estado Novo com um progressivo esquecimento social dos expedicionários. Os veteranos foram abandonados pelas autoridades civis e militares e a legislação de benefícios foi apenas praticamente ignorada e houve uma apropriação crescente dos benefícios destinados apenas aos combatentes por não expedicionários”, explica o historiador Francisco César Alves Ferraz, da Universidade Estadual de Londrina e pesquisador visitante da University of Tennessee. Ferraz trabalhou a reintegração social dos pracinhas em A guerra que não acabou (Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2012) e, mais recentemente, nas pesquisas A preparação da reintegração social dos combatentes estadunidenses da Segunda Guerra Mundial (1942-1946) e A reintegração social dos veteranos da Segunda Guerra Mundial: estudo comparativo dos ex-combatentes do Brasil e dos Estados Unidos (1945-1965).

Embarque dos pracinha para a guerra - Fonte - http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/4144
Embarque dos pracinha para a guerra – Fonte –http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/4144

Segundo o pesquisador, diferentemente dos ex-combatentes da Europa e da América do Norte, que fizeram de suas expressões públicas movimentos sociais organizados (o que tornou possível a conquista de benefícios e de reconhecimento social), os veteranos, também pelo seu pequeno número, tiveram pouco sucesso em chamar a atenção da sociedade e do aparelho estatal para seus problemas. Ferraz, que analisou a diferença da reintegração dos ex-combatentes americanos e brasileiros, lembra que, já em 1942, foram encomendados estudos, realizados por diversos órgãos do governo dos EUA, Forças Armadas, comissões do Congresso e iniciativa privada. “Um dos resultados mais expressivos foi o conjunto de leis chamado de G.I. Bill of Rights, que concedia estudo técnico e superior gratuito aos veteranos, transformava o governo federal em fiador de empréstimos bancários e concedia auxílio-desemprego e assistência médica gratuita para os que estiveram em serviço ativo em guerra por pelo menos 90 dias.

Por isso o Departamento de Guerra americano enviou, em 6 de abril de 1945, correspondência ao general comandante das forças do Exército dos EUA no Atlântico Sul, sob as quais os brasileiros estavam subordinados, alertando para a inconveniência da desmobilização imediata da FEB quando do seu retorno ao Brasil. “Uma vez que é a única unidade do Exército brasileiro, inteiramente treinada pelos EUA, considera-se que tem grande valor como um núcleo para o treinamento de outros elementos do Exército brasileiro e como uma contribuição potencialmente valiosa do Brasil à defesa hemisférica”, observa o documento. O aviso já refletia os rumores, iniciados a partir de março de 1945, de que as autoridades militares brasileiras pretendiam desmobilizar sumariamente a FEB, o que aconteceu efetivamente.

Soldados brasileiros na Itália - Fonte - http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/4167
 Soldados brasileiros na Itália – Fonte –http://infograficos.estadao.com.br/galerias/gerar/4167

“O Exército fez o possível para marginalizar e desconsiderar quem esteve na linha de frente. Havia enorme preconceito e inveja daqueles que estiveram com a FEB. Toda a experiência adquirida foi desprezada, contrariando o conselho dos EUA para que se vissem os expedicionários como núcleo de um esforço de modernização e renovação do nosso Exército”, analisa o historiador Dennison de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que trabalha o tema, entre outros, na pesquisa atual Reintegração social do ex-combatente no Brasil: o caso da Legião Paranaense do Expedicionário (1945-1980). “Na ânsia de se livrarem da FEB, tida como politicamente não confiável pelo Estado e pelos militares, os pracinhas foram rapidamente desmobilizados sem que tivessem se submetido a exames médicos, que mais tarde seriam fundamentais para que obtivessem pensões e auxílios no caso de doenças ou ferimentos adquiridos no front, lembra o professor. Havia temores políticos: a ameaça que representava para o Exército de Caxias esse novo tipo de força militar, mais profissional, liberal e democrático; o medo de que os oficiais febianos pudessem se tornar o fiel da balança político-eleitoral e fossem cooptados pelos comunistas; acima de tudo, temia-se que os expedicionários, entre os quais Vargas tinha grande popularidade, pudessem apoiá-lo e empolgar a população para soluções diferentes daquelas do pacto conservador das elites políticas para a sucessão do antigo líder do Estado Novo.

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O Comando Brasileiro, no Aviso Reservado de 11 de junho, emitido pelo Ministério da Guerra e assinado pelo ministro Dutra, observava que: “Não obstante reconhecer o interesse do público, fica proibido, por motivo de interesse militar, aos oficiais e praças da FEB fazer declarações ou conceder entrevistas sem autorização do Ministério da Guerra”. Para Ferraz, a proibição de falar sobre o histórico das ações é um ato de censura, não de segurança. O objetivo parece ter sido “quebrar o impacto” da chegada da FEB, evitar as declarações que pudessem embaraçar a instituição militar ou envolvê-la nas questões políticas que fermentavam naquele momento.

Isso, segundo ele, fica mais evidente quando se compara com as instruções emitidas ao Grupo de Caça da FAB, enviadas pelo Comando Americano: “Quando você chegar à sua cidade natal, provavelmente a imprensa local desejará entrevistá-lo. Você terá liberdade de falar de suas atividades aos jornalistas, mas não deve especular sobre o futuro de nossas unidades. A guerra continua no Oriente Próximo. Estamos interessados, porém, que a sua história seja contada várias vezes, nos EUA e no Brasil. Boa sorte no futuro”, assinado Charles Myers, brigadeiro do ar.

Soldados da FEB sendo recebidos no Rio de Janeiro
 Soldados da FEB sendo recebidos no Rio de Janeiro

A FEB não era bem-vinda também por boa parte dos membros do Exército, os militares de carreira que conseguiram, de alguma forma, escapar da ida à guerra. “O envio de expedicionários, os cidadãos-soldados, era motivo de piada nos quartéis. Quando eles voltaram com prestígio popular, muitos sentiram que poderiam ‘ficar para trás’ em suas carreiras e se iniciou uma conspiração surda da maioria que temia ser ultrapassada em suas promoções e cargos”, observa Dennison Oliveira.

Ferraz, na comparação entre americanos e brasileiros, mostra como um dos pontos importantes na reintegração de veteranos dos dois países foi como lidar com o passado, que trazia justamente essas questões políticas associadas aos ex-combatentes. No caso nacional, a última guerra externa em que houve mobilização de jovens que não eram militares regulares foi a Guerra da Tríplice Aliança (1856-1870), cujo retorno à sociedade foi longe do satisfatório, com a maioria dos veteranos indo parar no Asilo de Inválidos da Pátria. “Uma consequência não planejada pelo Império foi o crescimento da participação ativa de oficiais, inclusive de baixa patente, na política do país.

Combate de cavalaria durante a guerra do Paraguai
Combate de cavalaria durante a guerra do Paraguai, conforme publicado em uma revista americana – Fonte –http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Paraguai

O legado disso foi mais o receio das autoridades pelo protagonismo político dos combatentes do que o reconhecimento dos deveres da sociedade e do Estado com os veteranos de guerra, nota Ferraz. Nos EUA, as mobilizações da Guerra Civil e, em especial, na Primeira Guerra Mundial”, quando os veteranos tiveram suas questões potencializadas com a Depressão e explodiram distúrbios nas ruas americanas, ensinaram as autoridades como fazer a reintegração de seus jovens.

“Eles viram que o perfil dos combatentes recrutados influi diretamente na reintegração social: as chances de sucesso na reentrada da vida profissional e da cidadania aumentam com o maior grau de formação escolar e qualificações profissionais. E também quanto mais igualitário e socialmente distribuído for o recrutamento, melhores as condições de uma recepção positiva da sociedade”, explica Ferraz. No caso da FEB, lembra o pesquisador, todo um arsenal de “jeitinhos” foi utilizado para tirar da unidade filhos de classes mais abastadas. Mesmo assim, apesar da maioria pobre e de baixa escolaridade, a força brasileira exibiu uma amostragem melhor que a média do país.

Unidade de cavalaria da FEB, com veículo blindado de reconhecimento na Itália - eiturasdahistoria.uol.com.br
Unidade de cavalaria da FEB, com veículo blindado de reconhecimento, quando ainda na Itália – leiturasdahistoria.uol.com.br

“Sargentos, cabos e soldados eram majoritariamente de origem urbana, alfabetizados, e apresentavam robustez e resistência física, a ponto de a FEB precisar confeccionar uniformes maiores que os do fardamento normal do Exército”, observa o historiador Cesar Campiani Maximiano, pesquisador do Núcleo de Estudos de Política, História e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), autor, entre outros, de Barbudos, sujos e fatigados: soldados brasileiros na Segunda Guerra(Grua, 2010). “Do total de praças, 80,7% eram originários das regiões Sul e Sudeste do país. Os convocados oriundos do Nordeste, escolhidos por suas ótimas condições de saúde e grau de instrução, eram, na maioria, estudantes que serviram como cabos e sargentos, incorporados para suprir a deficiência de graduados experientes”, nota o autor.

Nos EUA, dos primeiros 3 milhões convocados, 47% estavam abaixo dos padrões; entre 1942 e 1943, dos 15 milhões de examinados, 32,4% foram rejeitados por causas físicas ou psiquiátricas e um terço considerado “inaptos para aproveitamento em qualquer grau”. Os americanos queriam apenas o melhor e adotaram critérios rigorosos para isso. A diferença mais gritante, porém, é que não houve distinção de classe no recrutamento para a guerra e um rigoroso controle no sistema de inserções, ao lado de campanha de mobilização da opinião pública, fez com que se recrutassem até o final da guerra mais de 16 milhões de soldados. “Praticamente cada ramo familiar americano tinha um combatente entre os seus, o que ajudou na compreensão dos deveres da sociedade para com aqueles que lutaram”, avalia Ferraz.

O navio USS General M.C. Meigs (AP-116) chegando ao Rio de Janeiro com os pracinhas
O navio USS General M.C. Meigs (AP-116) chegando ao Rio de Janeiro com os pracinhas

No Brasil, apesar das festas, os expedicionários foram rapidamente desmobilizados. “A razão foi política: tanto as autoridades do Estado Novo em decadência quanto as forças políticas de oposição temiam o pronunciamento político dos expedicionários, no que poderia ser a repetição do envolvimento político dos militares no século anterior após a Guerra da Tríplice Aliança”, fala Ferraz. A pressa foi tão grande em acabar com a FEB que os pracinhas já saíram da Itália com seus certificados de baixa e quando chegaram ao Brasil já não estavam mais sob a autoridade do comandante da FEB, mas do comandante militar do então Distrito Federal, não exatamente simpatizante dos febianos.
“A partir de então estavam à própria sorte. Traumas psicológicos de todo o tipo e rotina da luta de sobrevivência no mercado de trabalho dificultaram o retorno dos milhares de brasileiros que estiveram nos campos de batalha. As primeiras leis de amparo só foram aprovadas em 1947”, afirma Dennison de Oliveira. A maioria delas não foi sequer cumprida. Algumas, por sua vez, caíram mal entre os ex-combatentes, como o decreto-lei assinado por Vargas em julho de 1945 que concedia anistia aos militares da FEB, cujo efeito prático foi anistiar aqueles que desertaram no Brasil ao período anterior à campanha militar.

Momento antes do desembarque, só alegria pelo retorno. Logo viriam as decepções para muitos pracinhas
Momento antes do desembarque, só alegria pelo retorno. Logo viriam as decepções para muitos pracinhas

Para Oliveira, o ápice foi a chamada Lei da Praia, assinada em 1949 por Dutra. “De acordo com ela, qualquer pessoa enviada à ‘zona de guerra’ tinha direito aos auxílios e pensões. A lei incluía vias navegáveis e cidades no litoral brasileiro que se encontravam nessa ‘zona de guerra’. Assim, seja o soldado que corria perigo e lutava no frio dos Apeninos, seja o bancário que fora transferido para uma cidade litorânea, todos recebiam o mesmo”, diz o historiador.

“Claro que nos EUA também houve dificuldades de reintegração, mas houve um esforço da sociedade em receber os milhões de retornados da guerra. Os seus combatentes seriam conhecidos como a ‘boa geração’, aquela que garantiu a vitória contra a barbárie. Para os veteranos brasileiros, esse reconhecimento não aconteceu”, observa Ferraz. Segundo o historiador, a busca por apoio institucional às necessidades dos veteranos levou-os à aproximação com as Forças Armadas e, logo, com suas práticas políticas, inclusive o golpe de 1964. Transformados em símbolos e apoiadores do regime militar, viraram alvo dos críticos da ditadura do pós-64. “Ao invés de colocar em questão essa identidade entre Exército, governo militar e FEB, esses críticos preferiram investir contra a memória expedicionária, o que só reforçou os laços entre o Exército e os veteranos”, observa Ferraz.

Não se pode negar, é claro, que muitos pracinhas apoiaram o regime militar, até porque na primeira geração dos golpistas tinha alguns febianos, como o primeiro presidente do regime militar, Castello Branco, cuja ascensão ao poder deu a esperança aos veteranos de que seriam “vingados”. Mas as memórias desses combatentes revela outras histórias, como verificou o historiador e brasilianista israelense radicado nos EUA Uri Rosenheck, da Emory University, que pesquisou a FEB em Fighting for home abroad: remembrance and oblivion of World War II in Brazil. Entre os seus objetos de estudo estão as memórias dos ex-combatentes e os monumentos que celebram os expedicionários em “espaços cívicos” das cidades.

Pessoal da Polícia do Exército no desfile da vitória no Rio de Janeiro
Pessoal da Polícia do Exército no desfile da vitória no Rio de Janeiro

“No caso dos pracinhas, as memórias são apenas lembranças do passado, mas, por meio de um olhar analítico, elas se revelam como instrumentos de crítica política contemporânea. No caso brasileiro, ler as memórias de guerra é ver como esses homens desafiavam a ditadura militar e condenavam a política armada”, explica Rosenheck, que passou em revista as 150 memórias escritas sobre a FEB. Segundo ele, apesar de publicamente defenderem as suas lideranças, os cidadãos-soldados criticam os militares.

“A maioria das observações tem a ver com a ineficiência do Exército brasileiro, comparado com o similar americano, e o contraste entre os oficiais regulares e reservistas. Critica-se a falta de logística, como eles sofriam no frio por falta de uniformes apropriados, como tiveram que pagar por suas passagens de trem enquanto esperavam para embarcar para o Rio e mesmo a carência de identificações, as dog-tags, que não eram dadas a eles”, conta o brasilianista. As críticas mais ácidas vão para os oficiais do Exército regular, ou seja, o Exército de Caxias em oposição aos voluntários combatentes da FEB. “Eles lembram como esses primeiros tinham percepções antiquadas sobre as relações entre pracinhas e oficiais, sobre a ética e a moral do corpo de oficiais e sobre o profissionalismo em combate real.” Alguns recordam que foram roubados por seus superiores e que decisões eram arbitrárias e baseadas em que tipo de presente poderiam dar para seus oficiais.

O mesmo acontecia quando o assunto era racismo. “Em muitas memórias, os soldados se dizem horrorizados com o racismo dos militares americanos, mas em muitos casos nessas memórias se pegam ‘lapsos’ em que se percebe o racismo dos próprios pracinhas. Mas o importante é se perceber que eles preferem atribuir casos de preconceito a ‘ordens de superiores’. Assim, tudo fica como sendo ‘coisa de americano’ ou ‘dos superiores’, separando ‘os soldados’, ‘a FEB’ e por extensão ‘os brasileiros’ dos outros responsáveis por tais atos horríveis, seja pessoas domésticas ou estrangeiras.” Para Rosenheck, as acusações contra comandantes como racistas e incompetentes podem ser entendidas como um ataque implícito sobre as Forças Armadas e seu papel na sociedade. “A crítica não precisa ser explícita para ser efetiva. O fato de que veteranos da maior força de combate militar desde a Guerra do Paraguai critiquem o Exército dá a suas observações credibilidade e força. Tudo está centrado nos militares, não no governo político, na sociedade civil, o que só reforça essa leitura.”

Ainda o desfile da vitória no Rio - Fonte - http://rvchudo.blogspot.com.br/2013/05/8-de-maio-dia-da-vitoria-jamais-iremos.html
Ainda o desfile da vitória no Rio – Fonte –http://rvchudo.blogspot.com.br/2013/05/8-de-maio-dia-da-vitoria-jamais-iremos.html

Rosenheck também estudou os monumentos dedicados à FEB, com conclusões semelhantes. “Apesar de dizerem que os pracinhas foram esquecidos, há 192 monumentos dedicados à FEB, com 451 mortos, ou seja, quase três monumentos para cada sete mortos”, conta. São construções que não celebram mortos, mas celebram os vivos, os que voltaram, uma visão pouco militarista. As Forças Armadas estão quase ausentes nos textos que acompanham esses monumentos, com escritos que destacam a democracia, a liberdade, o civismo. Dos 192, 120 foram construídos entre 1945 e 1946, e 32 antes da instalação da ditadura militar. São poucos os que mostram soldados (a maioria é de obeliscos) e a representação visual deles não é de combate. “A narrativa não comunica a importância do Exército ou seu papel na construção da nação, mas os valores de uma sociedade civil”, diz o historiador. “Temos que reconhecer que as ligações da FEB com a história militar são importantes, mas há outras narrativas. É preciso criar ligações entre a história da FEB e outros aspectos da história e sociedade brasileira como um todo”, avisa.

CARLOS HAAG | Edição 210 – Agosto de 2013 - Revista de Pesquisa da FAPESP

Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros

http://tokdehistoria.wordpress.com/

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LAMPIÃO E A MÃE DE SANTO

Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

Dizem que certa época o Capitão Virgulino andava tão desconfiado das coisas do destino que mal falava com seus cabras, comia ou bebia. Passava horas amoitado, pensativo, cabisbaixo, com um aperto danado no coração. Maus pressentimentos, augúrios sombrios, sentimentos de derrocada logo adiante.

O destemido, o homem de todas as guerras sertanejas, de repente estava sendo vencido por batalhas internas. Sempre com crucifixo à mão, e religioso como era, rezava de virar noite, se apagava como nunca aos mistérios divinais. E implorava aos céus para que lhe afastasse do peito e do pensamento tanta coisa melindrosa de se pensar e sentir.


Foi Maria, a Bonita, que procurou resolver aquela difícil situação de seu amado. Encontrou seu Capitão em cima da pedra grande ao entardecer, e após fazer um carinho lamentoso disse - também entristecida de doer no coração de quem avistasse - que achava melhor ele marcar um encontro com o padre do Juazeiro, o Padim Ciço. Suas palavras talvez tivessem o dom de acalmar e fortalecer aquele espírito sofredor.

Lampião prontamente acatou a ideia de sua Maria. Até esboçou um leve sorriso, gesto que não expressava desde semanas. No instante seguinte e já estava escrevendo carta a ser enviada com urgência ao milagreiro do Juazeiro. Na missiva, embora curta e objetiva, dizia que não andava com o coração em compasso com sua lide, mais temeroso do que nunca, tendo pensamentos ruins, e por isso mesmo precisava muito ter uma conversa com aquele que certamente faria retornar as forças num homem atormentado.


Quando a missiva chegou às mãos do Padim Ciço, que estava bebericando um cálice de vinho, este sentiu a mão tremular tanto que não pôde evitar que o cristal se espatifasse pelo chão. O milagreiro não gostava de ver vinho derramado a seus pés, sentia como mau presságio, como aviso de acontecimento ruim. E aquela carta do Capitão então piorava ainda mais a situação.

Nervosamente abriu a missiva, leu-a com a avidez dos desesperados, para, enfim, recobrar a calma com outro cálice de antiga safra. Sentiu o aroma da bebida, levou-a aos lábios e depois sorriu, dizendo a si mesmo: Vou ter que revelar ao danado do cangaceiro o que faço às escondidas, sem ninguém jamais duvidar que isso pudesse acontecer. Certamente servirá pra ele evitar o pior na sua caminhada. Faço isso porque sei que ainda vou precisar muito de suas armas, de sua sangrenta valentia.

E em seguida passou a escrever a resposta. E resposta também curta, mas dizendo tudo o que o Capitão precisava fazer, e com urgência. Depois selou a missiva com sinal sagrado e entregou ao mesmo portador. E na carta dizia, entre outras considerações, as seguintes:

“Venerado Lampião, que Deus seja louvado no céu e o grande Capitão aqui na terra. Que suas apreensões e temores desapareçam como os inimigos no fogo de sua arma. Mas afirmo que não tenho poderes para, com um simples encontro de aconselhamento, mudar nada do que pressente como negativo no seu destino. Tenho mais poderes políticos do que divinos, e que isto não chegue aos meus fiéis, e também fanáticos eleitores. Mas aconselho a fazer o que faço quando me sinto apequenado, com sensação de que os inimigos políticos estão fazendo perseguições além das devidas. E nestes momentos o que faço é procurar Mãe Cabocla de Oxolufá, a mãe de santo mais famosa dessa região do Cariri. Basta adentrar no seu terreiro de candomblé que a velha senhora faz descer seus orixás para afastar do seu corpo tudo de ruim que esteja lhe perseguindo. Como diz o ditado cunhado pelo seu bando, é tiro e queda. Abaixo mando endereço e outras ordenações”.

Mesmo um tanto desapontado, pois do Padim Ciço esperava apenas a confirmação do encontro entre os dois, Lampião decidiu que partiria, juntamente com sua Maria e mais dois cabras, em secreta viagem até o local onde a dita mãe de santo atendia no seu terreiro. E disse a si mesmo que não era nada demais se avistar com uma yalorixá e, através dela, os orixás. Quem sabe se naquela manifestação religiosa não estava uma porta para acabar de vez com as tantas apreensões que lhe perseguiam.

Chegando ao local indicado na missiva do padre do Juazeiro, não demorou muito e alcançou o terreiro da Mãe Cabocla de Oxulufá, que na região era conhecida por roça. Contudo, ao se fazer anunciar, o que se viu daí em diante foi uma verdadeira danação. O atendente da porteira, após esbugalhar os olhos pelo nome ouvido, correu desembestado mata adentro. Duas filhas de santo desmaiaram no mesmo instante que souberam de quem se tratava

Como não havia quem os mandasse entrar, então Lampião e seu pequeno grupo foram cortando passo pelo terreiro. De um lado um barracão e de outro uma casa grande com alpendre. Desta saíram pessoas para saber quem chegava assim de modo tão afoito, sem prévio anúncio e sem permissão de Mãe Cabocla. Porém, antes que estas fizessem qualquer pergunta, uma voz ecoou lá de dentro: É o Capitão Lampião. Abram passagem, deixem entrar.

Mas nem precisava dizer para abrir passagem, para deixá-los entrar, pois o nome do maior dos cangaceiros surtiu um efeito inacreditável. Duas mulheres e um homem pareceram tomados por estranhas manifestações corporais, que não só os faziam revirar os olhos e se contorcer freneticamente como correr ao mesmo tempo, derrubando tudo que encontrassem pela frente. Sumiram no meio do mundo que a poeira levantava em profusão.

Ouvindo a barulheira, em seguida foi a vez da mãe de santo aparecer diante do Capitão. Portentosa, paramentada segundo seu culto, mostrava imponência e uma misteriosa beleza. Vamos ali pro outro lado, pro barracão. Foi o que disse. Deixando Maria e os outros cabras na casa, apenas os dois seguiram para a moradia dos orixás. Era ali no barracão que ela recebia convidados importantes, como tantas vezes aconteceu com o padre do Juazeiro.

Contudo, assim que colocou os pés no ambiente, a velha yalorixá estremeceu dos pés à cabeça, franziu o cenho, parecia fora de si. Curvou-se de lado a outro, recobrou as forças e disse ao Capitão tomado de espanto: Algo muito estranho está acontecendo com os orixás. Querem me jogar pra fora do barracão a todo custo. E tudo por causa de você, Lampião. Só resta agora implorar para que algum se apresente e diga como resolver sua situação. Mas o que é que tanto aflige o Capitão?

Quando o cangaceiro contou dos pressentimentos ruins e perguntou se tudo aquilo era sinal de funesto acontecimento, a mãe de santo foi logo dizendo: O Capitão é homem que não deve temer a nada. É só o vento mau que traz pensamento ruim. Sei bem do quanto é capaz de vencer a tudo e a todos. É verdade é ou não, Lampião? E ele falou na bucha: Comigo é na espoleta, no chumbo, na bala, na faca e no punhal, e quem se mostrar intriguento demais ainda sangro todinho vivo.

Nem terminou tais palavras e se ouviu um barulho tão grande que quase o barracão desaba, e em seguida um som de correria e de mata se abrindo em alvoroço. Valei-me Yxulá Boncoxá, valei-me Infó Gulamê, valei-me que meus orixás correram com medo do homem. Foi o que disse a espantada Yalorixá, levando as mãos à cabeça.

Mas em seguida se voltou para Lampião e afirmou: Se até os orixás temem o Capitão, se metem no oco do mundo pela sua presença, então provado tá que nada há de afligir sua caminhada. Seu problema tá resolvido, em nome dos orixás!

Poeta e cronista
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