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quinta-feira, 12 de julho de 2012

VÍDEOS SOBRE LAMPIÃO - O REI DO CANGAÇO

Lampião - O trem da História

07 - "Delmiro Gouveia" - O trem da História (Parte 1)
08. "Delmiro Gouveia" - O Trem da História (parte 2)
Paulo Afonso de Infinita Beleza (1080p)
01. "Navio Itapagé" - O Trem da História


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"HABEAS PINHO": POEMA QUE MARCOU A VIDA DO POETA RONALDO CUNHA LIMA

     Em 1955 um grupo de boêmios de Campina Grande fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu… o violão!…

Ronaldo Cunha Lima no Senado, em 1994 (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)

O Poeta, como ficou sendo chamado carinhosamente em toda Paraíba, Ronaldo Cunha Lima sabia e narrava sempre, com sua mente prodigiosa e de forma descontraída, incontáveis “causos” do nosso folclore político e interiorano. Cunha Lima lançou em concorridas noites de autógrafos, cerca de 15 livros de poesias,muitos versando sobre amor.
Amigos que conviveram de perto com Ronaldo relataram que o poema “Habeas Pinho” foi um marco na vida do poeta. Os versos bem construídos integram o pontapé inicial da carreira jurídica de Ronaldo Cunha Lima.
Documentos revelam que em 1955 um grupo de boêmios de Campina Grande fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu… o violão!
Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, na época recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma boa seresta.
Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.
Aquele pedido ficou conhecido como "Habeas Pinho" e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praia, no Nordeste Brasileiro.
Eis a famosa petição:

HABEAS PINHO

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca.

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!


Um violão, Doutor, que, na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo, pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.


Libere o violão, Dr. Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes temos, vem pedir deferimento!

Assinado: Ronaldo Cunha Lima, advogado.


O juiz  por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.

Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.


Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.


Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.


Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.


Enviado pelo poeta, escritor e pesquisador do cangaço:
Kydelmir Dantas 

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 13 (TRISTEZAS E LÁGRIMAS DE LAMPIÃO)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

AS CRÔNICAS DO CANGAÇO – 13 (TRISTEZAS E LÁGRIMAS DE LAMPIÃO)

Lampião era assim, não receava ou se envergonhava em mostrar entristecimento na frente de todo mundo, porém só chorava tendo a lua como única testemunha. Em determinadas ocasiões, quando a tristeza aflorava e o Capitão se afastava rumo à escuridão nos descampados, sua Maria, a tão Bonita, já sabia o que o seu amado iria fazer. Chorar.

Maria conhecia muito bem esse lado chorominguento do seu companheiro de luta e de coração. Muitas vezes nem precisava vê-lo com os olhos marejados, deixando desabar um pinguinho de água pelo canto do olho ou levar o lenço aos olhos. Conhecia o seu choro pelo seu olhar distante, entristecido, pelo coração aperreado, pelo distanciamento que se impunha da realidade. Mas de repente tudo era confirmado quando ele silenciosamente se afastava para derramar o seu pranto. Chorar. 

E chorar porque - também possuidor de sentimentos e coração - não prendia por muito tempo as enxurradas que teimavam em transbordar dos seus olhos que enxergavam a vida de um jeito totalmente diferente de outras pessoas. Conhecendo o profundo significado de tudo que se avistava adiante, de vez em quando visualizava angústias e sofrimentos tão profundos que se remoia por dentro para suportar. E suportar até a noite chegar para chorar.


Por isso mesmo se engana que cabra valente, sertanejo arretado, cangaceiro de proa, não entristece e não chora. Igualmente ao matuto que solenemente faz correr um fio d’água pelos cantos dos olhos diante do berro esfomeado do gado, da meninada faminta, da falta de um de um tudo por causa da seca, o cangaceiro, ainda que seja o maior deles, deixava se derramar diante de tanto desvão cotidiano.

Não tem cabimento se imaginar a vida cangaceira como alheia à realidade, expulsando sentimentos, vivendo somente para matar e não morrer. Do mesmo modo é inconcebível que se pense que os dias e as noites na mata ou no refúgio do coito se passavam sem instantes de meditação, de oração, de compartilhamentos e diálogos que faziam a alma transbordar.

Verdade é que se costumou pensar no cangaço como um bando de desumanos e malfeitores, cujo único intuito na caminhada era sair pelas estradas assustando quem encontrasse, matando inocentes, degolando infelizes, ferrando mocinhas. E tudo isso feito como desforra por não poderem enfrentar seus perseguidores como desejavam. Seria uma espécie de descontar naquele que não tinha nada a ver com a guerra sertaneja.

E sendo Lampião seu chefe, o absoluto comandante e idealizador das ações, dos ataques e contra-ataques, então seria o mais desalmado de todos, um ser nascido para espalhar a maldade e a morte pelos rincões sertanejos. Na contramão da verdade, chegam mesmo a concluir que em gente nascida assim e com destino de crueldade como sina seria impensável um sorriso, uma palavra afetuosa, um gesto de cordialidade. 

E o que é pior, pois ainda erroneamente imaginam que sendo um desalmado, um bruto, uma bestialidade, deixa de ter os sentimentos básicos do ser humano para só pensar em maldade, em matar, em trucidar quem encontrar pela frente. Ledo engano, pois cangaceiro também vitimado pelas angústias, aflições, temores, agonias e todos os tipos possíveis de expiações.

Certamente que Lampião não enveredou pelos caminhos cangaceiros simplesmente porque achava bonito ou porque, na sua jovialidade, tencionava ter uma vida errante pelos perigosos e amedrontadores labirintos nordestinos. Do mesmo modo, não se imagine que numa manhã abriu a porta de casa, pegou seu saco de viagem, e saiu mundo afora sem ter motivação alguma para tal. Nada disso prevalece diante da certeza do quanto o seu coração estava magoado quando decidiu abraçar o cangaço.


Coração magoado, cheio de dor, de revolta contra as injustiças continuamente perpetradas contra sua família. Pessoas simples, humildes, trabalhadores, raiz de muitos irmãos que de repente se viu esfacelada pela perseguição dos poderosos. Quando o sangue começou a jorrar vitimando os seus, então o sujeito pacato se fez homem valente para enfrentar não só aqueles algozes, mas também as injustiças que se alastravam pelos rincões nordestinos.

Na dor, na revolta, aprendeu a ter sentimentos. Primeiro sentir e se revoltar com as injustiças praticadas contra o seu berço, o seu leito familiar; depois perceber que as fragilidades sociais e econômicas de alguns só se igualam na balança dos poderosos na medida do enfrentamento, da violência se preciso fosse; e por último sentir – e eis o que mais lhe dilacerava e atormentava – que a honra do homem e a sua busca pela justiça somente poderia ser construída através do derramamento de sangue. E ele vivia nesse lamaçal sangrenta mas não queria assim.

E não queria assim porque não entrou no cangaço para ser matador, bandido, reles pistoleiro. Do ódio trazido daqueles acontecimentos familiares, pensava apenas em combater as atrocidades, mas não sair por aí vitimando qualquer um. E quando se tornou chefe de bando e logo reconhecido como o maior dos cangaceiros, ainda assim não havia modificado seu pensamento sobre o que ser e o que fazer na vida cangaceira.

E eis que neste aspecto ressurge a ideia sanguinária do cangaço, mas esquecendo, contudo, que sob o comando de Lampião o cangaço já havia deixado de ser caracterizado como grupo de assalto, bando de malfeitores, para se transformar num bando de perseguidos. Toda a construção negativa do cangaço era fruto do passado meramente sangrento do banditismo, cujos líderes tinham concepções chegadas à violência pela violência.

Quando Lampião – talvez até mesmo pelas distorções vivenciadas na facção que fazia parte – optou por marchar sozinho, e tendo logicamente alguns seguidores, e também pelo esfacelamento dos outros grupos existentes, teve que trazer no embornal todo um cabedal negativo que caracterizava o cangaço até então. Por culpa dos outros, o seu grupo, ainda que como líder agisse de forma totalmente diferente, começou a ser perseguido com uma voracidade jamais vista.

As perseguições empreendidas pelas forças de segurança, através das chamadas polícias volantes, deixaram Lampião sem opções. Ora, se o Capitão objetivava acima de tudo uma luta ferrenha para combater os abusos praticados contra os pobres sertanejos, enfrentando os algozes latifundiários e poderosos coronéis nordestinos, teve que mudar de foco para responder, com a mesma força e com a mesma violência, os ataques dos seus perseguidores.

Nesse desvio de rota, caminhando por veredas que não desejava, o que se viu foi um rio de sangue correndo debaixo das catingueiras, espichando por cima de mandacarus e xiquexiques. Nessa caminhada de fuga e ataque, tendo que responder à bala o disparo proferido, ou tendo que atacar primeiro para não ser surpreendido depois, alastrou-se a violência de tal modo que todo o sertão se amedrontava.


Não só pela necessidade de usar da máxima violência contra a também e superior violência recebida, mas também pelo fato de que ao cangaço eram imputadas ações sangrentas que jamais haviam praticado, pois tudo numa trama infernal da maioria dos comandantes das volantes, tudo isso fazia com que Lampião se tornasse cada vez mais num indivíduo propenso ao sofrimento, à dor, à tristeza.

Talvez as pedras, os espinhos e mandacarus tenham ouvido suas confissões quase que silenciosas. Mas somente a lua testemunhou o quanto essa aflição escorria pelo canto dos olhos. Talvez o Capitão ou o rei dos cangaceiros tentasse fingir, mas a verdade é que Lampião chorava.        

(*)Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2012/07/as-cronicas-do-cangaco-13-tristezas-e.html