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sexta-feira, 15 de junho de 2012

História de cangaceiros


Vicente Lucas se preparava para descarregar a mercadoria dos jumentos em frente ao armazém. A mulher, Josepha, em estado adiantado de gravidez, viu ao longe uma tropa de homens fortemente armados, que se aproximavam.

- Olha, Vicente, quanto soldado!
- Larga de ser tola, Zefinha! – disse o marido. – O que é que os soldados vinham fazer num fim de mundo desses?

Mas era Lampião e seu bando. Cangaceiros e volante em nada se distinguiam uns dos outros, nem nas roupas, nem nos armamentos e muito menos na ferocidade. E de repente estavam todos dentro da casa de comércio, de onde passaram à residência, contígua ao armazém. Com a coronha dos rifles arrombavam portas, quebravam tudo, procurando dinheiro e jóias.

A mulher gritava enquanto o marido era espancado pelos cangaceiros para revelar o esconderijo dos bens. No oratório, dentro de uma lata vazia de doce, os trancelins e anéis de Josepha foram logo encontrados. Os bandidos queriam mais e continuaram o espancamento.

Vendo o marido mergulhado numa poça de sangue, ainda apanhando, Josepha só pensava nos filhos pequenos que, à aproximação do bando, haviam fugido pelos fundos da casa mergulhando nos matos, onde o menino Gerson, de poucos anos, só não morreu de sede porque foi alimentado pelos irmãos com água de raiz de umbuzeiro.

Depois de depredarem tudo, com Vicente já morto, um dos cangaceiros atirou em Josepha, que lhe pedia pelo amor de Deus que tivesse pena dela, que pensasse na criança que estava para nascer.

- Bandida! Cachorra! – vociferou o animal, disparando-lhe um tiro de rifle.

Errou o tiro. A bala alojou-se no bauzinho de couro onde estava guardado o enxoval da pequena Angelita, nascida meses depois, e falecida ainda muito novinha.

Entre risadas, com os embornais repletos do saque, os bandidos se prepararam para deixar o local. Um menino adotivo, cria da casa, foi amarrado à cauda da montaria de um deles por uma peça de tecido retirada do armazém e arrastado por algumas centenas de metros onde foi deixado, semimorto, à beira da estrada.

Tudo isso se passou em 1924, aqui neste Agreste pernambucano, e me foi contado hoje por Didi, minha prima, neta de Josepha e de Vicente. Páginas do passado, heróicas, tristes, e verdadeiras.

Cangaço

Cangaceiros Barra Nova, Juriti, Neném e Sabonete. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.
Da esquerda para direita:
Barra Nova, Juriti, Neném e Sabonete

Grupo de cangaceiros, muitos não identificados. Atrás, da direita para a esquerda, pode-se ver Manoel Moreno, Canário, Maria Adília de Jesus e José Sereno. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.
Atrás - da direita para a esquerda:
Mané Moreno, Canário, Adília, Zé Sereno e Sila

Cangaceiros Barra Nova, Neném, Juriti e Gorgulho. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.
Da esquerda para direita
Barra Nova, Neném, Juriti e Gorgulho

Cangaceiros não identificados. Acervo Fundação Joaquim Nabuco.
Da esquerda para direita
Pancada, Maria e cangaceiro não identificado

Fotos de cangaceiros que foram cedidas pela Diretoria de Documentação (Didoc) da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). O material da coleção Cangaço foi doado ao acervo da Fundaj pelo historiador Frederico Pernambucano de Mello.  As imagens são do fotógrafo palestino Benjamim Abrahão Botto, com o apoio da ABA Films – Ceará, e datam de 1936, quando foram tiradas em Alagoas, no município de Pão de Açúcar.

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Lampião em Limoeiro

Por: Aderbal Nogueira
Aderbal Nogueira, desbravador das Caatingas...

Segue uma entrevista raríssima feita com Custódio Saraiva, que era juiz municipal em Limoeiro do Norte quando da entrada de Lampião em sua cidade. Meu grande amigo Luciano Klein me presenteou com essa rara entrevista, alguns devem conhecê-la mas para muitos deve ser uma novidade. A história não tem dono, portanto deve ser compartilhada. Nas duas postagens abaixo os dois trechos da entrevista.

Aderbal Nogueira
Sócio da SBEC - Diretor do GECC
Conselheiro Cariri Cangaço


Entrevista com Custódio - Lampião em Limoeiro Parte II

 

htttp://Cariricangaco.blogspot.com

O monarca selvagem dos sertões


“Não sou cangaceiro por maldade minha, mas pela maldade dos outros”

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Disse Lampião quando foi entrevistado pelo jornalista José Alves Feitosa do Jornal “A NOITE”, de Recife-PE. Essa entrevista foi publicada pelo Jornal Cearense “O POVO”, no dia 04 de junho de 1928. Lá se vão 80 anos.
Claro que eu não poderia deixar esse fato histórico passar desapercebido aqui no Cultura Nordestina, então, fiz questão de reproduzir fielmente essa relíquia para vocês!

Vale à pena ressaltar na entrevista, o estilo do português da época e o modo de vida do cangaceiro mais famoso de todos os tempos. Confira o arquivo original que foi publicado no Jornal O POVO. Episódios romanescos da vida do quadrilheiro famoso
 

A reportagem de profunda sensação, que hoje inserimos, vai proporcionar aos leitores do Jornal A NOITE a oportunidade de ouvir a palavra de um quadrilheiro famoso, terror das polícias e flagelo das populações sertanejas.

Os dados e as informações sobre que escrevemos nesta reportagem, foram colhidos do próprio Lampião pelo senhor José Alves Feitosa, que há semanas, no alto sertão, com ele conversou demoradamente.

Oferecendo à A NOITE essas notas interessantíssimas, o Sr. Feitosa, ofertando-las, nós, aos nossos gentilíssimos leitores, a quem não queremos mais poupar o prazer curioso de sentir um bocado da psicologia pitoresca e da vida romanesca do jaguar terrível dos sertões.

No pé da serra.

Caia sobre o crepúsculo sobre o escampado árido e esbrazeado daquele recanto sertanejo do estado do Ceará, ao pé da serra do Araripe: o engenho de rapadura Boa-Vista, a cinco léguas da cidade de Missão Velha, quando o Sr. José Alves Feitosa ali chegou.

Um crepúsculo doloroso, sertanejo, manchando a paisagem de sombras e difundindo uma melancolia por tudo... Gentis e acolhedores, os senhores de engenho o receberam, prodigolisando-lhe o conforto de uma hospedagem, onde ele repousaria de uma viagem exaustiva.

Ali foi que se aproximou de Lampião. Este assomara, à porta, desarmado, fitando o recém-chegado, que o interpelou logo:

José Alves Feitosa - É o Capitão Virgulino Ferreira?
Lampião - As suas ordens.   


José Alves Feitosa - Já o conhecia através de fotografias.
Lampião - Há! Foram esses retratos, de que o Sr. fala, que me inutilizaram. Se não tivesse deixado fotografar-me, seria desconhecido e já poderia ter desaparecido, sumindo-me no mundo, indo-me para longe, ganhar a vida tranquilamente, sem atribulação dessa angústia constante de ser perseguido... 

José Alves Feitosa - E o senhor é perseguido? Dizem na capital que a polícia...
Lampião - ... Não persegue porque sou amigo dos oficiais. É verdade, mas ainda assim, as traições, o Sr. compreende. No ano passado, 


Isaias Arruda, meu grande amigo, político cearense, surpreendeu-me numa localidade deste estado com um cerco policial terrível, de que me livrei não sei como. Estas causas são o que magoam... Uma traição, o diabo! Gosto dos oficiais e odeio os chefes de polícia. Não é verdade que eu haja emboscado, para matar ao Dr. Eurico de Souza Leão. Ignorava que esse chefe de polícia viajava, naquele tempo, pelo sertão. Se soubesse, com franqueza eu teria aventurado...

José Alves Feitosa - Como foi assassinado o seu irmão? 
 Lampião - É invenção, ele não foi morto. Está são, vivo e bolindo. Aquilo foi brincadeira só pra atrapalhar.
 

José Alves Feitosa - E Sabino? 
Lampião - A mesma coisa. Está vivo no Riacho do Navio, á frente de alguns homens. Vou encontrar-me agora com ele.
 

José Alves Feitosa - Disse-me a pouco que se pudesse abandonaria o cangaço... 
Lampião - Sim, porque eu não vivo a vida do cangaço por maldade minha. É pela maldade dos outros, dos homens que não tem a coragem de lutar corpo a corpo como eu e vão matando a gente na sombra, nas tocaias covardes. Tenho que vingar a morte dos meus pais. Era meninote quando os mataram. Bebi o sangue que jorrava do peito de minha mãe e, beijando-lhe a boca fria e morta, jurei vingá-la. É por isso que de rifle às costas, cruzando as estradas do sertão, deixo um rastro sangrento na procura dos assassinos de meus pais. Não ficou no assassinato de meu pai e de minha mãe, a maldade dos homens, a quem deve a sociedade responsabilizar pelos seus crimes. Os meus inimigos, que não tem coragem de matar-me, assassinaram cruelmente os meus parentes, como há pouco mataram uma tia minha e duas irmãs. É por isso que sou cangaceiro. Não sei quando hei de deixar os horrores desta vida, onde o maior encanto, a maior beleza seria extinguir a maldade daqueles que roubaram a vida de minha mãe, de meu pai e de minhas irmãs. 

Dizendo isso Lampião afastou-se tomando o chapéu. Despediu-se de nosso informante. À porta, um seu companheiro o arreou, isto é, entregou-lhe as cartucheiras e o mosquetão, um fuzil Mauser cortado na extremidade do cano.

Apertando as mãos hospitaleiras de Rosendo, o dono da rústica engenhoca, o monarca sanguinolento dos sertões, tomou as estradas poeirentas para as incertezas de seu destino.

Diante da narrativa de Lampião cheia de episódios romanescos e impressionantes como aquele em que há a cena comovente e soberba do juramento sobre a boca morta de uma mãe, quem ousará atirar a primeira pedra sobre o quadrilheiro imortalizado nas crônicas sangrentas do sertão?
A vida...

Nosso tempo no tempo (Poesia)

Por: Rangel Alves da Costa 
Rangel Alves da Costa

Nosso tempo no tempo


Grãos que somos
na poeira que estamos
folhas soltas ao vento
uma viagem pela vida
passeio com despedida
e o que somos agora
senão visitantes sem demora
nessa casa imensa
com a porta já aberta
estrada curta e incerta

somos apenas esse grão
sementes com coração
ou apenas dois seres
vivendo imersos na ilusão
que tudo é eternidade
sempre um dia e uma tarde
sempre uma lua na noite
em tudo a maior liberdade
sem pensarmos no açoite

dê-me as mãos meu amor
dê-me os olhos e a boca
dê-me tudo que guardarei
no meu corpo que já não é
senão você em minha vida
e sei o quanto zela por mim
no meu ser que está em ti
somente assim sobreviveremos
confundindo a hora marcada
quando tivermos que seguir
nesses adeuses de estrada.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com