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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A ESPINHENTA VIDA DO CACTO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

A ESPINHENTA VIDA DO CACTO

Tudo que nasce na terra sertaneja já vem ao mundo com a sina do padecimento. Felicidade há muita, contentamento também, mas sempre prevalecem a dor e o sofrimento pelas próprias características da geografia sertaneja.

Nesse contexto de angústia e aflição que tomam conta dos homens, das plantas e dos bichos, sobressaem-se as secas inclementes que de vez em quando parecem querer se perpetuar de canto a outro, o abandono a que ficam relegados pelos órgãos governamentais e o preceito e discriminação tão visíveis nos olhos de muitos sulistas e citadinos.

Mas o sertanejo é acima de tudo um forte, já escreveu o desventurado jornalista. E tal força pode ser exemplificada no homem que não larga nunca sua persistência e esperança e nas plantas cactáceas que tanto representam a firmeza, a perseverança e a permanência inflexível na terra, mesmo que todas as outras plantas já tenham sucumbido às estiagens.

Parece mesmo que os seus espinhos são como escudos pontiagudos que conseguem afastar dos seus corpos as mais terríveis ameaças do tempo. De repente, quando tudo já está devastado e desolado, na terra só há rachadura e a aridez do abandono, o cacto serve como único e último alimento para salvar os bichos. Cortado, recortado, afastados os espinhos, é manjar para o gado faminto. A palma se mastiga e engole com espinho e tudo.

Assim, enquanto tudo entristece e murcha, a palma, o mandacaru, o xiquexique, o facheiro, a cabeça-de-frade e outras espécies espinhentas continuam imponentes, com suas cores ainda verdejantes, seus braços firmemente erguidos, cujos semblantes parecem candelabros ao entardecer. E os espinhos apontam para o norte e para o sul, ameaçam os invasores, acolhem os passarinhos, mas acima de tudo confirmam a força da vida num tempo de destruições.

Contudo, o que seria fator muito positivo para a vida no sertão de repente pode se transformar num problema difícil de ser resolvido. Não se sabe ao certo os motivos, mas a verdade é que os cactos possuem muitos inimigos, são vistos com maus olhos por muitos, são tidos como espécies que deveriam desaparecer de vez. E talvez seja sua força e resistência que provocam tantas inimizades.

Muitas plantas próprias da caatinga, as mesmas que quando muito possuem apenas alguns espinhos nas suas galhagens e ainda assim não estão protegidas contra os constantes ataques dos bichos e do pisoteamento e destruição por parte dos caçadores e mateiros, certamente que ficam com uma inveja danada daquelas outras espécies cujos corpos são totalmente tomados por armas de eficazes defesas.

Igualmente a cansanção e a urtiga que são odiadas por conterem nas suas folhas substâncias que causam queimações e coceiras, as cactáceas são detestadas exatamente porque são tomadas de espinhos ao invés de folhas. Se fossem folheadas seriam mais frágeis e estariam no mesmo patamar de destruição das outras plantas, sempre à mercê dos predadores.

Mas não somente isso, pois plantas inimigas espalham que os cactos não passam de vaidosos, egoístas, querendo ser mais do que realmente são, mas, principalmente que são as mais perigosas das espécies, vez que vivem abertamente, e dia e noite, portando perigosas armas pontiagudas e ameaçando as plantas e os bichos inofensivos.

Não sabem, contudo, o verdadeiro significado dos espinhos dos cactos nem do sofrimento que estas plantas têm no seu dia a dia, principalmente em épocas de grandes estiagens, ainda que sejam os últimos a serem afetados pela destruição. Dizem até que quando o cacto não suporta a seca é porque o homem corre o risco de também perecer.

Ora, os sertanejos mais velhos dizem que cada mandacaru ao se portar no meio do tempo de braços abertos não está fazendo outra coisa senão orando para que as nuvens carregadas de chuvas cheguem logo ao sertão. E a sua esperança é tanta que já fica apontando espinhos naquela direção, esperando apenas furar o corpo da nuvem quando ela estiver ao alcance e deixar as águas caírem em abundância.

Por isso mesmo que possuem a sina de serem as últimas a perderem a cor, o verdor, a secarem e a murchar quando todas as preces e orações não fazem efeito. E como sofrem nesse percurso, olhando pra trás e vendo suas companheiras de mato já misturadas à terra escaldante. Depois se dobram e também morrem.

Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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