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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Quando a estrela foi Lampião

Amigo leitor: Este texto foi escrito por Rostand Medeiros, e o adquiri no Blog BOOM, do amigo André Vasconcelos, não havendo nenhum prejuízo, tanto para o escritor como para o dono do Blog, pois o coloquei em meu Blog na íntegra.   
             Leia-o. É um excelente trabalho!
 
           A SAGA DO LIBANÊS BENJAMIM ABRAHÃO PARA FILMAR O REI DO CANGAÇO E A REPERCURÇÃO NAS PÁGINAS DO “DIÁRIO DE PERNAMBUCO”

Por Rostand Medeiros
Pesquisador
rostandmedeiros@gmail.com

              Nesta clássica foto vemos Benjamin Abrahão, o armado Lampião e a sua Maria Bonita ostentando uma profusão de correntes de ouro. Este instantâneo foi conseguido em uma das visitas de Abrahão ao “Rei do Cangaço”. Foto do acervo da AbaFilm, reproduzida a partir do livro “Cangaceiros”, de Élise Jasmin, página 42, 1ª edição.
            No início da vida bandida de Virgulino Ferreira da Silva, o famoso cangaceiro Lampião, as suas ações, os seus feitos de armas, eram basicamente conhecidos pelos sertanejos através dos cantadores, dos emboladores, das conversas dos mascates nos dias de feira.
            Estes meios de divulgação tradicionais, mesmo de forma lenta, ajudaram cada vez mais a criar na população do sertão o temor e, igualmente, contribuíram na propagação do mito ao redor da figura verdadeira.
           Durante certo tempo muitos sertanejos não tiveram ideia da aparência e de outros aspectos ligados à figura de Lampião. Logo surgiu na imprensa uma boa quantidade de fotografias do chefe cangaceiro e este fazia questão de se deixar reproduzir diante das câmeras. Ele não tinha a aversão que o grande cangaceiro Antônio Silvino, preso em 1914, nutria pelas lentes fotográficas. Pelo contrário, gostava tanto que até cartões com a sua foto estampada foram um dia produzidos.
           Na proporção em que cresciam as suas ações e a fama do seu bando nos sertões nordestinos, a sua figura ultrapassavas limites regionais e as pessoas de todas as partes passaram a ouvir falar no conhecido “Rei do Cangaço”. Mas para o público dos grandes centros terem a oportunidade de visualizarem a figura de Lampião e seu bando, em uma película cinematográfica, no interior de uma confortável sala de projeção, era algo mais complicado.
           Desde que o cinema chegou ao Brasil, em 8 de julho de 1896, com a inauguração de um “omniographo” na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, o seu desenvolvimento era cada vez mais intenso. Novas salas de exibição eram inauguradas pelo país afora, onde o público consumidor desejava através das imagens tanto o entretenimento, quanto o conhecimento dos aspectos do imenso país.
          Para uma pessoa de iniciativa e coragem, a ideia de filmar Lampião e seu bando poderia gerar muita fama e dinheiro.
          Somente através da iniciativa de um emigrante libanês, foi possível imagens do famoso cangaceiro e do seu bando, sendo este o único registro cinematográfico desta controversa figura.                                                   UM HOMEM SEM FRONTEIRAS
           Segundo o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (in “Guerreiros do sol, 2ª edição”, págs. 313 a 317), seu nome completo era Benjamin Abrahão Calil Botto, sendo originário do Líbano. Sua terra natal era Zahle, uma cidade situada na parte central deste país, no chamado Vale do Bekaa, próxima a cadeia de montanhas do Monte Líbano, em uma área extremamente fértil para agricultura e onde até hoje predomina uma população cristã.
              Para alguns estudiosos ele teria vindo para o Brasil em 1910 e para outros ele aqui chegou em 1915. A razão de sua saída seria a ideia de buscar novas paragens para progredir na vida e deixar uma região então dominada pelo Império Turco Otomano desde 1517. Outra teoria aponta que a vinda de Abrahão seria uma fuga da convocação do exército que ocupava sua terra, para combater na Primeira Guerra Mundial.
            Nesta época a nação libanesa ainda não havia sido oficialmente criada e os imigrantes que deixavam esta região e se dirigiam para o Brasil, eram normalmente conhecidos como “Turcos” ou “Sírios”. Apenas em 1926 foi oficialmente criada à República do Líbano, por interesses dos franceses.
             Foto atual da cidade de Zahle, Líbano. Com uma população em torno de 100.000 habitantes, é a terceira maior cidade deste país, sendo bastante conhecida pela qualidade do vinho aí produzido. Coleção do autor.

            Quis o destino que Benjamin Abrahão viesse para Recife, onde conseguiu um emprego de vendedor. Depois, impulsionado pelo espirito aventureiro e senso de oportunidade, foi até a cidade de Juazeiro, no interior do Ceará, onde conheceu o mítico e venerado líder religioso Padre Cícero Romão Batista.
             Após os primeiros contatos com o homem considerado santo pelos romeiros que afluíam de todos os lugares do Nordeste, o libanês passou a ser conhecido na cidade como jornalista, secretário particular, fotógrafo e acompanhante do “Padim Ciço”. Existe a versão que o libanês de fala enrolada conquistou o coração do severo clérigo quando mentiu descaradamente ao afirmar ter nascido em Belém, a cidade natal de Jesus Cristo.
            Para estas duas interessantes figuras este encontro foi extremamente positivo. Para o eterno cura dos desvalidos do Cariri, a figura de um secretário estrangeiro, nascido na terra de Jesus, certamente trazia respeitabilidade junto a elite local e chamava a atenção e o respeito dos milhares de romeiros que vinham atrás de suas bênçãos. Já Benjamim sabia que o Padre Cícero era um líder prestigiado, sendo um porto seguro em um país desconhecido, em meio a uma Juazeiro em franco crescimento.
Era bem melhor o calor de Juazeiro, do que vestir um uniforme turco e levar um tiro dos ingleses na península de Gallipoli.
            Tudo indica que o imigrante se deu muito bem nas terras do “Padim Ciço” e se entrosou perfeitamente com a sociedade local. Segundo o jornal “Diário de Pernambuco”, edição de 27 de dezembro de 1936, ao apresentar o “Sírio” Abrahão, o periódico informava que o imigrante teria fundado um jornal chamado “O Cariri”.

                 O FILME DO PADRE CÍCERO E O ENCONTRO COM LAMPIÃO
           O libanês esperto se encontrava em Juazeiro, quando no dia 4 de março de 1926 chega à urbe sagrada o famoso cangaceiro Lampião e todo o seu séquito. O bandoleiro das caatingas vem a “cidade santa” para se juntar aos membros de uma força militar denominada “Batalhão Patriótico”, com a intenção de combater uma coluna de revoltosos comandados por Luís Carlos Prestes, Isidoro Dias Lopes, Siqueira Campos e outros oficiais rebelados do Exército Brasileiro contra o governo de Arthur Bernardes, então Presidente da República.
          Lampião recebe uniformes, armas novas, se encontra com Padre Cícero, concede entrevistas e se deixa fotografar. Segundo o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (op. cit.), a figura que coordena o assédio ao “Rei do Cangaço” não é outro se não o próprio Benjamim Abrahão. Afirma o pesquisador que a partir deste encontro surgiu uma amizade entre o libanês e o cangaceiro, bem como o germe da ideia de ser realizada uma película mostrando a vida de Lampião.



           Apesar do autor de “Guerreiros do sol” haver entrevistado Lauro Cabral de Oliveira, uma das pessoas que esteve com Lampião naquela ocasião para realizar entrevistas e fotografá-lo, que teve seu acesso ao cangaceiro garantido por Abrahão, acreditamos que a ideia surgiu na cabeça do libanês algum tempo antes.
           Em 1925 foi produzido “Joaseiro do Padre Cícero”, um filme que buscava contar a vida e o trabalho do Padre Cícero Romão Batista. Rodado em película de 35 milímetros, a um custo de 40 contos de réis, esta obra tinha o objetivo de criar uma propaganda positiva em relação à ação política e social do padre Cícero, além de mostrar o desenvolvimento da cidade de Juazeiro. Nesta época o Padre Cícero sofria na imprensa dos grandes centros do Brasil uma feroz enxurrada de críticas e comentários negativos sobre a sua figura, a sua trajetória política e a mistificação em torno de sua figura.
           A direção do filme coube ao cearense Adhemar Bezerra de Albuquerque e sua primeira exibição ocorreu no mesmo ano de sua produção. O local escolhido foi o Cinema Moderno, em Fortaleza, um empreendimento que foi inaugurado em 1921 e ficava na Praça do Ferreira.                                                                                                                                                                                                                                    A
           Provavelmente o diretor Adhemar Bezerra de Albuquerque, seguramente um dos principais pioneiros e expoentes do cinema cearense, que produziu muitos documentários em 35 milímetros, deve ter criado laços de amizade com o libanês durante a produção deste filme e certamente o imigrante participou de alguma maneira da concretização desta produção.
                                                        A BUSCA POR LAMPIÃO
            Ao longo dos anos o libanês continuou com o seu trabalho ao lado do Padre Cícero, mas em julho de 1934, aos 90 anos o seu patrão e protetor faleceu. É provável que sem maiores perspectivas ressurja na cabeça do libanês a ideia de mostrar ao Mundo o cangaceiro Lampião, entrevistá-lo e conseguir assim se tornar o primeiro homem a filmar o “Grande Rei do Sertão”.
          No ano seguinte Abrahão busca na capital cearense um empreendedor que o ajude nesta empreitada. Este apoio surge na pessoa do velho conhecido Ademar Albuquerque, agora proprietário da empresa Aba-Film, que tinha apenas um ano de funcionamento. Ademar percebe que o libanês é suficientemente arrojado (ou maluco) para procurar Lampião no “Oco do Mundo” e se ele não morrer tentando, a distribuição deste documentário poderia render um bom dinheiro.
             Percebemos que não é de hoje que a figura de Lampião alavanca negócios.
           O proprietário da Aba-Film lhe cedeu uma câmera, que segundo Frederico Pernambucano de Mello (op. cit.), seria de 35 milímetros, da marca Ica. Rolos de filmagem da empresa Gevaert-Belgium, um tripé e uma câmera fotográfica desenvolvida pela empresa alemã de produtos óticos Carl Zeiss, até hoje uma conceituada marca no meio fotográfico.

             Benjamim estava munido com máquinas de conhecida qualidade e portabilidade, que certamente lhe trariam um ótimo resultado visual.
Evidentemente que o imigrante libanês não seria tão louco a ponto de comentar quem o ajudou nesta empreitada. Mas seria praticamente impossível ele chegar próximo a Lampião sem a ajuda dos grandes coronéis do interior de Pernambuco. Ele teria buscado o apoio de Audálio Tenório de Albuquerque, então o todo poderoso comandante da cidade de Águas Belas e de outros coronéis da região próxima ao rio São Francisco. Esta hipótese se baseia na informação transmitida por Frederico Pernambucano de Mello, que nos seus últimos anos da vida de Lampião, teria sido o coronel Audálio Tenório uma pessoa com forte aproximação com este chefe cangaceiro. (Mello, op. cit., pág. 325).
              De toda maneira Benjamim Abrahão conseguiu seu intento. No jornal Diário de Pernambuco, nas edições de 27 de dezembro de 1936 e 12 de janeiro de 1937, Abrahão relatou detalhes dos seus encontros com Lampião e seu bando.
              Em narrativa franca e aberta, o libanês demonstra ao seu entrevistador, com certo orgulho, que a sua empreitada havia durado mais de um ano, precisamente 18 meses. Informava que havia passado pelos estados da Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia. Ele entrou no sertão com uma roupa de “brim azulão” e suas máquinas a tiracolo.           
            Afirmou que passou “fome e sede”, mas trouxe “um punhado de notas suficiente para seu livro de impressões”. Aparentemente estas impressões estariam contidas em seus diários.
           O contato inicial de Abrahão com o bando de Lampião, segundo suas afirmações para o Diário de Pernambuco, foi num dia bastante quente e os primeiros com quem ele esteve foram os cangaceiros Mergulhão e Juriti.
 

              Mas o encontro teve certa tensão, pois os dois guerreiros das caatingas chegaram totalmente equipados. Ao visualizaram o estranho apontaram seus fuzis e gritaram “-Não se mexa cabra. Vai morrer” e colocaram balas nas agulhas de suas armas. Foi um momento “angustioso” para o documentarista, mas logo o ambiente serenou. Abrahão afirmou ao jornalista que lhe entrevistava que “se impressionou”, pois os dois cangaceiros já sabiam quem ele era e qual era seu objetivo.
              É provável que nada disso tenha ocorrido. O Mais lógico foi que Abrahão deve ter sido guiado por uma pessoa de confiança dos coronéis da região, onde os cangaceiros já tinham conhecimento de sua chegada e que tudo estava previamente acertado.
Tanto é que sobre estes primeiros momentos junto a estes cangaceiros, Abrahão chega ao ponto de transmitir uma opinião jocosa sobre um dos seus acompanhantes armados. Este era Juriti, que ele considerou “-Um sujeito de boa aparência, tem os cabelos bons, é metido à almofadinha e gosta de luxar”.
            Afirmou que teve de caminhar três quilômetros com os dois homens armados. Eles primeiramente entraram em entendimento com uma sentinela posicionado em local estratégico. Daí Mergulhão se embrenhou nos matos e desapareceu. Voltou algum tempo depois afirmando que Lampião queria vê-lo.
            AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES DE UM ESTRANHO MUNDO

           Quando chegou ao local onde estava o bando, após passarem por uma área de caatinga bastante fechada, todos os cangaceiros estavam de pé, menos Lampião que se encontrava encostado em um tronco, lhe observando com olhos que o libanês classificou como “indagadores”. Era hora do almoço e todos comiam carne de bode com farofa.
           O capitão Virgulino veio até ele, lhe ofereceu comida e um copo com conhaque, demonstrando boas maneiras no tratamento ao estranho de fala enrolada. Lampião afirmou “-Não sei como você veio bater aqui com vida, bicho véio. Só mesmo obra de Mergulhão que é muito camarada”. Abrahão não informou ao jornalista o que achou da tirada do chefe cangaceiro.
Logo se dispôs a montar o tripé com uma das suas máquinas para dar início à seção de captação de imagens.
           Nisto Lampião gritou “-Para, para”.
          Ele queria ver de perto o maquinário. Queria se certificar que daquele mecanismo estranho não poderia sair uma bala. Satisfeito nas suas dúvidas, o chefe liberou o libanês para trabalhar tranquilamente.
           Ele continuou captando imagens, mas em pouco tempo Lampião mandou parar a seção afirmando “-Basta. O resto fica para outra vez”.
Abrahão retrucou com Lampião, afirmando que tinha lutado muito por este momento e que queria continuar. Ao que o chefe responde taxativamente “-Quem anda comigo tem de ter paciência”.
           Insatisfeito com a resposta, o imigrante voltou à carga “-E onde poderia (Lampião) ser encontrado na próxima vez?”.
           “-Sou homem que não tem pouso certo. Hoje estou aqui, amanhã posso estar na Bahia, em Sergipe ou Pernambuco.”
            Seja pelo fato de Abrahão ter se sentido a vontade com o “Rei do Cangaço”, ou porque era uma figura completamente maluca, mais uma vez ele continuou retrucando com Lampião. Para sua sorte este nada falou.
           Depois, segundo sua narrativa, levaria quatro meses para ocorrer um segundo encontro com o bando. Por sorte este momento foi muito mais duradouro, calmo e positivo. Segundo Abrahão o local do esconderijo ficava “do outro lado do São Francisco”, a “36 léguas”. Ele só não disse de onde.
          Afirmou que era um domingo, sendo este “um grande dia, pois ninguém trabalhava e se reza de manhã e no começo da noite”.
Para o imigrante os cangaceiros são muito religiosos e sobre o momento da oração ele fez interessantes observações. Um dos membros do grupo colocou um quadro do Sagrado Coração de Jesus em um tronco de arvore e Lampião, com um livro de orações, comanda a ladainha. Todos estão ajoelhados, contritos, alguns com rosários, ouvindo atentamente o chefe declamar em voz alta a prédica de um velho “adoremos”, que todos repetiam em coro.
Para o observador Abrahão “as mulheres, neste dia, vestem-se melhor, enfeitam-se mesmo”. Para ele é como se elas fossem a uma missa em alguma paróquia. O imigrante apontava que aquelas mulheres, mesmo vivendo escondidas no meio do mato, em meio às correrias e violências, pareciam querer manter de alguma maneira os mesmos hábitos da vida “civil”.
           Durante o almoço todos os cangaceiros comem em grupos, uns em pé e outros sentados. Lampião, talvez por precaução, degusta a alimentação no meio de todos. Abrahão repetiu varias vezes ao repórter o quanto Lampião era desconfiado, sempre planejando mudanças de seus esconderijos.
              FILMANDO OUTROS GUPOS DE CANGACEIROS E PRESENCIANDO O COMBATE DE PIRANHAS
              Abrahão afirma textualmente que filmou e fotografou os grupos dos chefes Corisco, Luís Pedro, Português, Zé Sereno, Mané Moreno, Pancada, Canário e Gato. Praticamente ele teve a oportunidade de filmar todo o movimento de cangaceiros que gravitavam ao redor de Lampião. Apenas os instantâneos chegaram até os nossos dias.
Em relação ao chefe cangaceiro Gato, Abrahão afirma que estava no combate ocorrido em Piranhas, dois meses antes da entrevista ao Diário de Pernambuco e que viu este cangaceiro ferido.
             Segundo a sua narrativa, ele se encontrava a cerca de meia légua (três quilômetros) de Piranhas, atravessando o Rio São Francisco, quando se deu o tiroteio e logo seguiu em direção à refrega. Afirmou que “era uma oportunidade que não poderia deixar passar”.
            O primeiro combate entre os cangaceiros e os policiais a cerca de 4 ou 5 léguas de distância da cidade, “no meio da caatinga bruta”.
             A tropa volante era comandada pelo tenente João Bezerra e neste combate foi ferida e capturada a companheira de Gato. Este buscou apoio de Corisco e de outros cangaceiros que circulavam na região, para invadirem a cidade de Piranhas e tentaram resgatar a cangaceira ferida. Era por volta meio dia quando um grupo de 26 cangaceiros tentou realizar o ataque, mas a cidade recebeu seus “visitantes” com forte fuzilaria.
              No momento em que Abrahão encontrou os cangaceiros estes já se retiravam de Piranhas. Afirma que viu o chefe Gato ainda ferido, deitado em um “sofá”. Comenta (certamente com exagero) que quando tentou entrar na cidade os defensores lhe tomaram como um cangaceiro e mandaram bala.
            Segundo o pesquisador paraibano Bismarck Martins de Oliveira (in “O cangaceirismo no Nordeste”, 2ª edição, págs. 228 e 229) o nome verdadeiro do cangaceiro Gato era Josias Vieira e era natural de Santana do Ipanema, Alagoas. Ele teria entrado no cangaço em 1922, tendo participado de inúmeras ações importantes ao lado de Lampião, era tido como um cangaceiro de extrema violência e periculosidade acentuada. Fez parte do bando de Corisco, mas depois decidiu montar seu próprio grupo. Já o pesquisador baiano Oleone Coelho Pontes (in “Lampião na Bahia”, 4 edição, pág. 329) informa que o combate se deu no dia 28 de outubro de 1936, que Gato chamou Corisco para tentaram entrar na cidade, mas a intenção era sequestrar a mulher de João Bezerra, Cira Britto Bezerra, filha do prefeito da cidade, a fim de vingar-se da captura da sua companheira.
 

                SENHORA DE BARAÇO E CUTELO DOS SERTÕES NORDESTINOS

             Em relação à companheira de Lampião, de quem Abrahão em nenhum momento da reportagem declamou o nome com o qual ela seria imortalizada, ele praticamente se restringe a informar que a mesma, por razão de uma promessa, não trabalhava entre o sábado e a segunda feira. Mas Abrahão não diz qual seria este “trabalho” e a chamava de “Maria Oliveira”, ou “Maria do Capitão”.            Mas aparentemente são os jornalistas da redação do Diário de Pernambuco que se impressionam com a morena baiana.            Na edição do dia 17 de fevereiro de 1937, uma quarta-feira, como sempre na primeira página e com amplo destaque, a jovem sertaneja aparece sentada ao lado de dois cães de Lampião, um dos quais se chamava “Ligeiro”, em uma pose que foi classificada como “cinematográfica de uma Greta Garbo”. Dizia que ela era a única pessoa com “ascendência moral sobre Lampião” e que chamava a atenção até mesmo pela simplicidade.            Para os jornalistas Abrahão descreveu que a companheira de Virgulino estava “com os cabelos alisados a banha cheirosa, meias de algodão, sapatos “tresé” e seu vestido azul claro de linho”. Estando correta a descrição do imigrante libanês sobre a vestimenta de “Maria do Capitão”, no meio daquela caatinga cheias de espinhos, esta fina indumentária servia apenas para rezar e bater fotografias.          Chama atenção a descrição da utilidade das mulheres do bando nos combates. Abrahão informou que elas “Abrem nas caatingas cerradas os caminhos que possam fugir os cangaceiros, ante a eminencia de se verem cercados”.           Se a pose de “Maria do Capitão” na foto era simples, como o leitor deste artigo pode observar, a manchete chamava bastante atenção.
           A VOLTA A “CIVILIZAÇÃO” E O SANGRENTO FIM DE ABRAHÃO
             Foi divulgado que o inquérito realizado pelo delegado do 2º Distrito Policial de Águas Belas, concluiu que o assassino do imigrante libanês se chamava José Rodrigues Lins, conhecido como Zé de Ritinha ou Zé de Rita e que teria sido ajudado por uma mulher chamada Alayde Rodrigues de Siqueira. Mas as reportagens não especificavam maiores detalhes do ocorrido e nem o grau de participação desta mulher.
            Para muitos pesquisadores a verdadeira razão da morte de Abrahão teria sido as insistentes cobranças que ele fez aos coronéis da região, sobre uma pretensa ajuda financeira prometida para a realização do filme. Aparentemente, diante das recursas, ele possivelmente teria feito algum tipo de ameaça e encontrou a morte. Certamente que em meio a um momento político onde o poder do Estado estava muito forte e centralizado, onde as velhas lideranças do sertão já não possuíam a mesma desenvoltura nos círculos do poder, onde a desconfiança e o temor de perda de prestígio e de força política eram evidentes, a figura de um imigrante que sabia de muita coisa, impertinentemente exigindo dinheiro, deveria ser uma fonte de preocupação.
            Seja qual for a verdadeira razão, percebemos que faltou a Benjamin Abrahão, mesmo depois de estar vivendo a cerca de vinte anos no Nordeste, uma maior percepção em relação as suas atitudes e o que elas poderiam gerar.
            Enviado por Rostand Medeiros – Natal/RN

           Nota do blog:
Nós que fazemos o blog “Boom!” agradecemos a mais esta brilhante colaboração do amigo Rostand Medeiros, de Natal-RN, escritor e pesquisador de temas históricos nordestinos. Sua contribuição só vem a enriquecer nosso trabalho na divulgação dos valores da cultura brasileira.
22:14
               Relato de seus encontros com o bando de Lampião no jornal “Diário de Pernambuco”, edição de 12 de fevereiro de 1937. Coleção do autor.

             Abrahão volta ao Recife e novas matérias são publicadas no Diário de Pernambuco, sempre com muito destaque e na primeira página. Elas informavam detalhes do encontro de Abrahão com os cangaceiros e que a sociedade pernambucana em breve teria a oportunidade de assistir nos cinemas da capital o “film” sobre Lampião.
Benjamim Abrahão aproveitava sua notoriedade.
             Sobre o tamanho do rolo de filme e a duração do filme original não conseguimos apurar corretamente, pois o tamanho foi crescendo e diminuindo. Dependia do lugar, provavelmente do gosto dos editores, ou através de informações equivocadas de Benjamim Abrahão. Segundo o pesquisador Frederico Pernambucano de Mello (in “Guerreiros do sol, 2ª edição”, págs. 339), em dezembro de 1936 o libanês teria entregado a Ademar Albuquerque cerca de “quinhentos metros de filme”, mas em abril do ano seguinte os jornais cearenses noticiavam que havia “mais de mil metros”. Em Recife a película esticou mais ainda. No Diário de Pernambuco, na edição de 12 de fevereiro de 1937, Abrahão afirmava que o filme tinha “2.000 metros”, que seria exibido no Rio de Janeiro e anunciava que além do filme, seria publicado um livro “com a maior e mais completa reportagem sobre Lampião”.
            Mas foi a mesma atenção dispensada pela imprensa que gradativamente foi lhe criando problemas. Os jornais mostravam com destaque a façanha de um simples imigrante libanês, que havia conseguido encontrar Lampião, filmá-lo tranquilamente com o seu bando, enquanto que as forças de segurança nunca davam cabo dos cangaceiros.
No Rio de Janeiro, então capital do país, a revista “O Cruzeiro”, um dos principais veículos da imprensa brasileira da época, estampou no exemplar de 6 de março de 1937 uma manchete com cinco fotos do bando. De forma crítica afirmava que “onde os policiais falharam, Abrahão havia triunfado”.
            No dia 2 de julho de 1938, no mesmo Cinema Moderno que apresentou a película sobre o padre Cícero, ocorreu à única exibição conhecida do filme de Benjamin Abrahão. A fita cinematográfica foi assistida por autoridades que se revoltaram diante do destaque dado a Lampião e seus acompanhantes. Logo os membros do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o órgão de censura do chamado Estado Novo, a ditadura comandada por Getúlio Vargas e implantada no ano anterior, apreenderam o filme.
Benjamin Abrahão tentou reverter, sem sucesso, a situação e fica em uma situação difícil e parte para o interior em busca de apoio.
             Em 9 de maio de 1938, na então vila de Pau Ferro (atual município pernambucano de Itaíba), a cerca de 45 quilômetros de Águas Belas, Abrahão foi morto com 42 facadas por um homem que seria deficiente físico e que trabalhava como sapateiro. A razão foi uma vingança pelo fato do libanês ter mantido relações com a mulher deste sapateiro.
Entretanto, segundo as edições de 10 e de 19 de maio de 1938, ao comentar sobre a morte de Benjamin Abrahão trazem algumas informações interessantes.
            Maria Bonita e os cachorros do bando de Lampião na primeira página do “Diário de Pernambuco”, edição de 17 de fevereiro de 1936. Para Abrahão ela não trabalhava entre os sábados e as segundas feiras. Coleção do autor.
           Os jornalistas passaram a comparar a companheira de Lampião com a francesa Jeanne-Antoinette Poisson, a Marquesa de Pompadour, ou como ficou mais conhecida Madame de Pompadour. Esta foi uma burguesa, nascida em Paris em 1721, que usou a sedução para conquistar um lugar entre os mais nobres e se tornar a principal amante do rei da França daquela época, Luís XV. Mas além de ser bela, sedutora e encantadora, era extremamente inteligente e se tornou decisiva na política francesa. Logo através de sua influência, conseguia audiências a embaixadores, tomava decisões sobre todas as questões ligadas à concessão de favores de forma tão absoluta quanto qualquer monarca.
           A comparação entre a cortesã francesa e a cangaceira brasileira surgiu provavelmente após Abrahão comentar e ser publicado que “os asseclas de Lampião lhe rendem as mais servis homenagens, tudo fazendo para não cair no desagrado dessa Madame Pompadour do cangaço, senhora de baraço e cutelo dos sertões nordestinos”.
          Não pudemos comprovar com exatidão, mas certamente esta é a uma das primeiras grandes reportagens sobre uma jovem sertaneja baiana chamada Maria Gomes de Oliveira, nascida em 1901, no sítio Malhada da Caiçara, que um dia encantou o “Rei dos Cangaceiros” e seria conhecida em toda parte como Maria Bonita.
               Gato e Inacinha, fotografados por Abrahão. Acervo AbaFilm, Fortaleza. Reproduzida a partir do livro “Cangaceiros”, de Élise Jasmin, página 90, 1ª edição.
             Quanto à questão do “sofá”, realmente imaginava que naquele lugar, naquele tempo, naquelas condições de combate, um cangaceiro ferido seria normalmente transportado em uma rede. Mas como eles ainda combateram no perímetro da cidade de Piranhas e eu não tenho muito conhecimento sobre o mobiliário do sertão nordestino da década de 30 do século passado, deixo a questão em aberto.
              Segundo o relato de Abrahão a jornal Diário de Pernambuco, os dois primeiros cangaceiros que ele encontrou foram Mergulhão (dir.) e Juriti (sentado a esq.). Coleção do autor.
         Relato de seus encontros com o bando de Lampião no jornal “Diário de Pernambuco”, edição de 27 de dezembro de 1936. Coleção do autor.               Fachada do Cinema Moderno, em Fortaleza. A partir do livro “Ah, Fortaleza!”, vários autores, 1ª edição, página 143.            Depois de seu lançamento, a película foi apresentada em várias capitais brasileiras, chamando a atenção da crítica e do público. Certamente um dos que se impressionou com o sucesso da obra foi Benjamim Abrahão.
             Assim o jornal recifense “A Província”, edição de 3 de junho de 1926, analisou a exibição do filme “Joaseiro do Padre Cícero”, ocorrida no dia anterior, no prestigiado Cinema São José. Coleção do autor.  
              Benjamin Abrahão em fotografia realizada em um estúdio fotográfico pernambucano. A partir do livro “Lampião o mito”, autoria de Roberto Tapioca, 9ª edição, página 50.

O Nordeste Gonzagueano - Por: Juliana Pereira Ischiara


Por: Juliana Pereira Ischiara

 

              Lá no meu pé de serra, deixei ficar meu coração..., ai que saudades tenho, eu vou voltar pro meu sertão...” Este foi o “dia do fico” para nação nordestina no que concerne a ocupação do espaço cultural no cenário nacional

Luiz Gonzaga

           A cultura nordestina, o sertão, o modo de viver, ver e sentir dos nordestinos, assim como o espaço regional, a diversidade climática, festas, alegrias e tristezas, secas e chuvas, oração e desespero, cabra valente e cabra frouxo, mulher séria e homem trabalhador, elementos caracterizadores da nação nordestina, passou a se fazer presente na obra poética e musical de Luiz Gonzaga.
             A introdução do Nordeste no universo sulista, de forma mais intensiva, deve-se a Luiz Gonzaga e, embora não tenha sido ele o primeiro, foi, sem sombra de dúvida, o mais completo, abrindo as porteiras do sertão nordestino para o resto do país, transformando-se em porta-voz de um povo que, até então, ainda era considerado como nortista. O Norte e o Nordeste ainda não eram percebidos como regiões distintas e, mesmo depois da divisão geográfica feita pelo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1941, o Brasil ainda era visto como norte e sul ou sudeste.
             Luiz Gonzaga, ao chegar ao Rio de Janeiro, no final da década de 30 do século XX, começou a tocar em bares e depois no mangue, a priori não tocava baião, a necessidade da sobrevivência lhe obrigava a execução da valsa, samba-canção e outros gêneros que faziam sucesso na época. Foi no início da década de 40 do século XX que um grupo de estudantes nordestinos, que viviam no Rio de Janeiro, descobrira o sanfoneiro e pedira-lhe que tocasse algo do Nordeste e, neste momento nascia o baião conhecemos, segundo Câmara Cascudo, este estilo musical teve sua origem no século XIX, e ganhou uma roupagem nova com Luiz Gonzaga:
             O baião dança popular preferida durante o século XIX no Nordeste do Brasil. Renato Almeida informava que dançar o baião era dançar o baiano, como se usava de Sergipe a são Paulo. Em vez da umbigada, atirava-se com os dedos um estalo de castanhola, na direção da pessoa escolhida, e aí começava o baião. Entre os cantadores sertanejos, o baião não é canto nem dança. É uma breve introdução musical, executada antes do desafio, antes do debate vocal entre os dois cantadores. Denomina-se também rojão ou rojão de viola. Somente a partir do século XX, mais precisamente a partir de 1946, o sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga divulgou, pelas estações de rádio do Rio de Janeiro, o baião, modificando-o com a inconsciente influência local dos s ambas e das congas cubanas. (2000: 42)


                 Depois de ganhar espaço nas rádios do Rio de Janeiro, o baião passa a ser um veículo divulgador da cultura nordestina, falando dessa nação aos quatro cantos do país. O homem nordestino, quase sempre esquecido, encontra em Luiz Gonzaga um instrumento divulgador de um povo sem voz, como define Câmara Cascudo:  
              Gonzaga era a paisagem pernambucana, águas, matos, caminhos, silêncios, gente viva e morta. “O artista Gonzaga nunca se separou do homem sertanejo que jamais esqueceu suas raízes e cantou sua saudade e todo o amor que tinha pelo sertão e seu povo. Tanto que a sua obra é um verdadeiro acervo cultural do Nordeste, onde se encontra o perfil completo da região, com todos os seus personagens e os seus detalhes”. (Cascudo in Oliveira, 2000: 199)
           Para falar dos sentimentos nordestinos, Luiz Gonzaga começou por ele mesmo, em 1945, em parceria com um dos seus mais expressivos e importantes parceiros, Humberto Teixeira, nascendo o xote intitulado No meu Pé de Serra, que foi lançado em 1946. 
Lá no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Ai que saudades tenho
Eu vou voltar pro meu sertão
No meu roçado eu trabalhava todo dia
as no meu rancho eu tinha tudo o que queria
Lá se dançava quase toda quinta feira
Sanfona num faltava
E tome xote a noite inteira
 (No Meu Pé de Serra, L. Gonzaga /
H. Teixeira, 1946, RCA Victor)
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
              Neste xote percebe-se a saudade que lhe cortava o coração, as lembranças do “sertão da saudade”, onde se trabalhava, onde se festejava e onde nada lhe faltava, pois, o que tinha era suficiente para se viver bem e feliz. O vivido na cidade neste momento se contrapunha ao vivido no sertão, daí a saudade e o desejo de voltar, pois, o trabalho não tinha o mesmo sentido que no sertão, não lhes proporcionando o mesmo prazer e não se comemorando a noite sob as estrelas e ao soar da sanfona, a felicidade de se ter um roçado e um rancho. Na cidade é diferente e só lhe resta agora falar desse sertão em forma de música, para manter viva a lembrança de que, para ele, seria o sertão nordestino o lugar mais seguro para guardar seu coração. E não poderia ser diferente, como bem disse o grande mestre Luz, “é preciso ser fort e, valente, robusto e nascer no sertão, tem que suar muito pra ganhar o pão, pois a vida lá “né” brinquedo não.”

Referências Bibliográficas:

ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 2ª ed. Recife: FJN, Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2001
ANDRADE, Manuel Correia de. O Nordeste e a Questão Regional. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1993.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore brasileiro. 9ª edição. São Paulo: Global, 2000.
OLIVEIRA, Gildson. Luiz Gonzaga: o matuto que conquistou o mundo. 7ª edição. Brasília: Letraviva, 2000.
VIEIRA, Sulamita. O Sertão em Movimento: a dinâmica da produção cultural. São Paulo: Annablume, 2000