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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

HISTÓRIAS DE OUTROS TEMPOS (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

HISTÓRIAS DE OUTROS TEMPOS
Todo mundo contava, todo mundo aprendia, passava de boca em boca, ia aumentando pelas calçadas, e o que não era passava a ser e o que já existia era “vixe Maria”. Mas coisas de outros tempos, que ouvi dos mais velhos e acreditei somente porque não há mais no que acreditar hoje em dia.
Nega Zabé mentia não, por isso também acreditei. Contou-me pouco antes de se tornar criança de vez que ficou solteira muito tempo, moça velha já sem esperança, coitada quase no caritó. E só casou por causa de uma anágua.
Seus pais eram tão rígidos, rigorosos demais no pensar e no agir, chegando a dizer que se um dia um homem visse ao menos a barra da saia da filha deles tinha de casar no outro dia. Vestido abaixo do joelho, se a mulher deixasse que o homem visse a beirada de renda que estava por baixo era porque tinha más intenções. Os dois.
E assim num entardecer, quando um rapaz passou ali pra prosear, Zabé, já moça velha, correu pra ver quem era, abriu a porta e na volta tropeçou num banquinho e se estatelou no chão. Quando o pai ouviu o barulho e correu, a anágua estava à mostra e o rapaz juntinho dela. Na mesma hora, sem deixá-lo arredar pé, mandou chamar os seus pais pra marcar o casamento, que aconteceu no outro dia.
Até aquela data do nosso encontro, numa tardezinha de café torrado, dizia-me que a coisa que mais preservava na vida era aquela anágua, ainda existente e trancada no guarda roupa. Mas contou-me uma história ainda mais pitoresca, porém essa com um viés de não se querer acreditar. Mas já que me contou vou contar.
Contou-me que sua mãe dizia em segredo com medo de seu pai ouvir, pois já havia proibido aquela conversa mentirosa ali, que a irmã de sua avó, uma velha do tempo do ronca e que morava sozinha num casebre no meio do mato, sem jamais ter colocado os pés numa rua, numa estrada ou asfalto, namorava com um fogo-corredor. Velha, já velha mesmo, mas ainda assim apaixonada por coisa assustadora do outro mundo.
Mas para manter sua paixão usava da sua sabedoria feiticeira da magia aprendida com os encantados da floresta. Mas só era feiticeira pra ela mesma, pra conseguir o que queria, e a magia que usava era sempre direcionada para prender ao redor o seu amado fogo-corredor. Nas noites sem lua, com todo negrume encobrindo as matas, os descampados e os silêncios medonhos, era o momento exato de encontrar seu amado.
Fogo-corredor, como se sabe, é conhecido de muito jeito, mas naquela vertente do sertão era tido como um ser estranho em cujo lugar da cabeça chamuscava labaredas de fogo, num vermelho-alaranjado que chegava a incandescer e que quando corria pelos campos parecia a crina esvoaçante de um foguete em disparada.
As pessoas evitavam andar na noite por causa do tal ser misterioso, tão medonhamente assustador. Mas a velha mateira se deleitava quando chegava o anoitecer e a escuridão tomar conta de tudo pra ela correr por dentro da mataria, nos pastos e por cima de tudo em busca do seu amado. Quando chegava pertinho dele era engolida pela cabeça de fogo e cuspida antes do dia clarear. E voltava pra casa lentamente, toda feliz da vida, pensando somente em fazer feitiçaria pra lua não aparecer novamente quando a noite chegasse.
No caminho de volta já vinha catando graveto, folhagem seca, toco rompido das árvores, pedra de alumiar e gambá com vento preso. As outras coisas todo mundo sabia pra que servia, mas sobre o gambá de barriga ruim pouca gente sabia. E era coisa do outro mundo mesmo, pois a velha passava o dia inteiro fazendo a lua brilhar pra quando chegasse à noite, ela já cansada, não aparecer.
Assim, juntava o mato seco e a capinagem rachando, por cima botava a pedra de alumiar, e depois ia lá na gaiola e trazia o gambá. Então apertava na barriga e o bicho soltava aquele gás fétido e insuportável bem em cima da pedra de alumiar, e esta sem agüentar avermelhava tanto que se tornava em braseiro. E num instante a fogueira estava formada. A seguir ela desenhava na labareda um círculo e deixava a lua ali brilhando.
Quando a noite caía não havia mais lua, então ela se perfumava com o gambá pra ir namorar. Se não tiver acreditando vá perguntar a quem me contou, mas duvido que a Nega Zabé ainda lhe ouça.

Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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